Confira entrevista com Tamires Gomes, lateral da Seleção Brasileira

Com 15 anos de carreira, projeta a Seleção Brasileira Feminina na Olimpíada com técnica Pia Sundhage e fala até sobre o futebol cearense

Legenda: Tamires é jogadora do Corinthians e titular absoluta da Seleção Brasileira
Foto: Foto: Lucas Figueiredo / CBF

Lateral-esquerda da seleção brasileira, campeã da Libertadores com o Corinthians e mãe de Bernardo. Eis um breve currículo de Tamires Cássia Dias Gomes, jogadora de futebol. Breve mesmo. Até porque são mais de 15 anos de carreira colecionando experiências, títulos e fãs. Tamires foi convocada, pela primeira vez, em 2013. Hoje, depois de uma Copa do Mundo que mexeu com a modalidade, e às vésperas de uma Olimpíada, a mineira vislumbra inúmeras possibilidades para o futebol feminino.

Tamires viu o mundo acompanhar a Copa vencida pelos Estados Unidos. Viu os shows de Megan Rapinoe, de Alex Morgan, de Giulia Gwinn, de Cristiane. E no mesmo ano, levou quase 30 mil pessoas a uma final de estadual entre Corinthians e São Paulo no futebol feminino. Mesmo com todas as dificuldades enfrentadas, o cenário aparece positivo para Tóquio 2020.

A jogadora foi mãe aos 21. Teve que dar uma pausa no futebol. Passou três anos longe dos gramados. A volta foi difícil, mas os frutos foram colhidos. Companheira de Marta, Cristiane e companhia, Tamires aproveitou um curto período de folga na Capital cearense e atendeu ao Diário do Nordeste para falar sobre carreira, conquistas e momento do futebol feminino no País após a Copa do Mundo e às vésperas de uma Olimpíada.

O ano de 2019 tem sido maravilhoso para você. Principalmente no Corinthians, correto? Levando muita gente ao estádio para ver futebol feminino.

Foram 28 mil pessoas aplaudindo, torcendo. Foi um dia especial demais (a final do Paulista), não só para o Corinthians. Tudo o que foi plantado lá atrás de valorização, de visibilidade, a gente está começando a alcançar esse objetivo. Acho que a gente está no caminho certo. O futebol feminino está alcançando um patamar que não existia há um tempo. O Mundial foi um divisor de águas para a nossa modalidade. E espero que só melhore daqui para frente. Estamos muito felizes com isso tudo. É continuar para que essas meninas daqui para frente possam colher o que a gente está fazendo hoje.

É exagero falar que este é o melhor ano da tua carreira?

Não é exagero falar. Esse mundial foi muito especial para mim. Me deu muita visibilidade, aproveitei ao máximo, é um reconhecimento do meu trabalho, foi gratificante demais. E voltar para o Brasil depois de quatro anos somou demais para que eu pudesse ter um ano maravilhoso. Conquistar dois títulos com o Corinthians foi mais do que especial também.

Tóquio é logo ali. Como é que está a expectativa para a Olimpíada?

O clima está ótimo. Acho que a gente fechou com o Mundial, não foi do jeito que gostaríamos, mas tiramos muitas coisas positivas de tudo isso. A seleção apresentou um belo futebol. Trouxe esperança para a modalidade, para os torcedores. Com a chegada da Pia, o Brasil ganhou demais. Essa mulher tem muito respeito do futebol internacional e da gente. A gente está aproveitando muito cada momento com ela, e tenho certeza de que a Seleção Brasileira vai dar passos grandes para que possamos chegar à Olimpíada ainda mais completos.

Na seleção, você joga como lateral. No Corinthians, joga mais adiantada. Já conversou com a Pia Sundhage para, de repente, pedir para jogar mais adiantada na seleção?

Já conversei com a Pia a respeito disso. Gosto de jogar avançada, como jogo no Corinthians, mas também gosto de jogar na Seleção como lateral. O importante é estar jogando! A Pia me vê mais como lateral-esquerda na seleção, então eu vou continuar assim, isso não faz muita diferença para mim. Jogar como meia avançada é bom porque você fica mais perto do gol, é mais gostoso, mas o importante é estar podendo ajudar a seleção da melhor maneira possível. Eu jogo de ponta no Corinthians e de lateral da seleção, então está tudo certo (risos).

Como é, para você, ver essas meninas de um projeto social simples no Ceará com sonhos de se tornarem jogadoras de futebol profissional? Sem contar que elas te têm como exemplo.

É muito bom ver o brilho no olhar dessas meninas, de saber que elas têm o sonho de jogar futebol. Era o que eu tinha quando era da idade delas. Eu vejo que elas querem realmente isso. Vão batalhar por isso. Que elas não desistam. As dificuldades existem. Mas me deixou triste saber que até hoje as meninas sofrem esse preconceito de que futebol não é para mulher, que só homem joga futebol. Isso me deixou triste porque com quase 15 anos de diferença entre mim e elas, elas ainda sofrem com isso. É algo que me deixa bem chateada. Que a gente possa ser mais respeitada, porque futebol não tem gênero, é para todos. Do mesmo jeito que pessoas têm sonhos em qualquer área, as meninas também têm o sonho de ser jogadoras de futebol. Deixa elas sonharem. Elas me terem como exemplo é algo muito gratificante. Eu tinha isso, quando tinha a idade delas. Depois de tanto tempo, eu olho para trás e me sinto abençoada por Deus e honrada por isso. E é isso que eu espero delas, que elas não desistam, porque quando você alcança, é muito gratificante.

Você começou no futsal antes do campo. Engravidou aos 21 anos. Parou de jogar e depois voltou, o que deve ter sido bem difícil. Mudaria algo nessa tua trajetória?

Não mudaria nada. Quando eu fiquei grávida aos 21 anos, foi algo que mexeu comigo, me deixou triste porque eu não esperava, era a ascensão da minha carreira, e daí eu não esperava. Mas hoje, olhando para trás, que bom que eu fiquei grávida. Que bom que eu tenho o Bernardo, que já está com dez anos, me acompanha, torce por mim. Hoje, eu me sinto uma mulher muito realizada por ser mãe, voltar a fazer o que eu mais amo que é jogar futebol. Eu sou muito grata por tudo o que eu estou vivendo.

Quando esteve em Fortaleza, acompanhou o jogo entre Fortaleza e Santos. Tem alguma ligação com o futebol cearense, ou foi somente pela vontade de assistir ao duelo?

Eu acompanho futebol. Pela televisão, eu vi como a torcida do Fortaleza faz festas bonitas, como o time está jogando bem... E eu ter a oportunidade de ir ao estádio, eu falei: "nossa, vai valer muito a pena". E valeu. A torcida é maravilhosa, foi um jogo muito bem jogado, e até falaram para mim, no dia, que eu era pé-quente. Vou levar esse dia com muito carinho, meu filho também vai levar muito esse dia na memória.

Você falou que a Copa do Mundo foi um marco para o futebol feminino. Mas qual é o próximo passo da modalidade?

São várias barreiras a serem quebradas ainda. Com certeza, a questão salarial é algo que se escuta muito, é muito diferente ainda entre o masculino e o feminino. Quanto mais visibilidade, quanto mais o clube acredita na gente, as coisas acontecem como estão acontecendo. Este é um ponto que a gente quer melhorar, quer mais valorização. Mais clubes com o futebol feminino, mais categorias de base, tudo isso ajuda a modalidade a crescer. E TVs abertas cobrindo a gente. Quanto mais divulgação, melhor. A gente vê que a torcida gosta do futebol feminino. Mas, às vezes, nem sabem que vai ter jogo. Divulgação faz com que a gente se sinta mais valorizada também. E isso tudo nos ajuda a fazer um jogo melhor, mais vistoso e competitivo para o torcedor.