Aécio de Zaira: o menino sem brinquedos construiu instrumentos musicais do lixo e virou mestre

Em uma pequena cidade no sul do Ceará, um luthier transforma a vida de jovens e crianças com instrumentos, música e cultura. Na Casa Luz, é proibido não sonhar

Legenda: Aécio Rodrigues de Oliveira não sabe ser gente sem se doar
Foto: Jaque Rodrigues/Reprodução

Aécio Rodrigues de Oliveira não sabe ser gente sem se doar. "Meus pais são o meu espelho. Eles diziam que, quando a gente reclama da vida, perde o tempo de lutar. A vida pra mim é ser feliz, mas isso depende da felicidade do próximo", ele diz, aos 67 anos, orgulhoso do título de Mestre da Cultura que recebeu de bom grado do Governo do Ceará, ainda que veja um caminho largo para representar bem o título. Ele é Aécio de Zaira, guardião da cultura e luthier. Da casa onde mora no Crato, esculpe os instrumentos musicais mais criativos com o que cata do lixo, das matas, das ruas.  

Aécio nasceu nesta pequena cidade do sul do Ceará, na beira do rio das Piabas. Foi criado pela mãe, uma enfermeira africana que veio para o quilombo, e o pai, multiartista que trabalhava como pedreiro, poeta e tocador de berimbau. Aécio é o terceiro de uma prole de dez filhos. Desde criança, aprendeu com os avós sobre a cultura dos indígenas Kariri e começou cedo a trabalhar com artesanato indígena.

O menino pedia à mãe para juntar coisas do lixo porque não tinha brinquedo. Aos três anos, construiu um instrumento com tala de coco que parecia um violão. "Minha mãe dizia que era um violão, mas não era, não", ele diz. "Tenho ele até hoje", conta, orgulhoso.

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Aécio foi vivendo a cultura de construir instrumentos e artesanato enquanto sonhava estudar medicina. Sem dinheiro para bancar os estudos, não deu para virar doutor. Mas tinha uma curiosidade imensa por instrumentos e conseguiu um violão de verdade, que consertou para arriscar algumas notas. Neste meio tempo, achou guarita no Exército, se formou e decidiu depois seguir caminho para a megalópole São Paulo para se aventurar. Foi lá para tentar sonhar.

Na capital econômica do país, aproveitou todos os cursos gratuitos possíveis para estudar música e se profissionalizar. Tocou na noite e trabalhou em uma emissora de televisão, mas decidiu voltar para o Nordeste que sempre o inspirou. Parecia até coisa do destino para conhecer a também mestra Tereza, com quem casou e mantém trabalhos voluntários que envolvem formação musical com a comunidade.

O dinheiro de um prêmio conquistado há quase uma década os ajudou a construir uma casa, um ateliê e um museu que dão sentido às escolhas de vida destes dois mestres. Foi assim que nasceu a Casa Luz.

"A missão do projeto da gente é um trabalho que todas as pessoas que venham aqui realizem seu sonho pela arte", diz mestre Aécio. É pela arte que ele espera ajudar as crianças e adolescentes do sertão a encontrarem sentido na vida e escaparem do flerte com o crime, que chegou organizado até mesmo nas mais remotas das cidades.

É um desejo que vem de longe. O menino que construía seus próprios brinquedos fez um compromisso consigo mesmo na infância: quando crescesse, ajudaria outras crianças. Queria ter um orfanato, mas acabou construindo uma casa de cultura. O projeto ganhou o mundo. Mesmo assim, o luthier, professor de música e marido de uma mestra do Maracatu ainda não se sente exatamente um mestre. A palavra lhe parece grande demais.

Legenda: É pela arte que ele espera ajudar as crianças e adolescentes do sertão a encontrarem sentido na vida
Foto: Jaque Rodrigues/Reprodução

"Meu pai falava esta palavra quando eu era criança: mestre. Dizia que o mestre é um ser humano que tem um coração maior do que ele, que não julga ninguém, só protege. Ele passa seus saberes, seu conhecimento, porque esta é sua maior virtude. É um prazer ter este título de mestre pelo Estado do Ceará, mas ainda estou aprendendo muito para eu ser um mestre à altura do que meu pai dizia" - Mestre Aécio de Zaira.

É que, para ele, ser mestre é também ter um coração maior do que a gente. "Eu estou indo devagarzinho, mas estou lutando", diz. "E o que o senhor é?", pergunto. "Sou um criador", responde. Um criador de instrumentos, mas também de amores e de esperança em um mundo melhor. Um criador de música, de letras e de sonhos que versam sobre o Nordeste, o sertão e o amor profundo pelo seu povo. 

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