A vida nada ordinária de um bebê

Todo dia ele faz tudo sempre igual, mas basta olhar para perceber que hoje já é alguém diferente de quem foi ontem. É assim que nos construímos humanos: com vínculos formados de rituais cotidianos

Legenda: Em cada nova mudança percebo nossos vínculos se ramificando
Foto: Freepik

Quase todos os dias é assim: Bento abre seus olhos vivos de manhã cedo, mas não chora. Do conforto do berço, dá alguns grunhidos enquanto estica os bracinhos miúdos numa longa espreguiçada e espera. É como se desse a mim, sua mãe, alguns minutos para não lutar contra o sono, mas não muitos. Aproveito a cortesia do bebê e então levanto antes que ele comece a chorar. Abro as cortinas: “Bom dia, Bentinho. Já é dia. Vamos acordar?”

O pai dele faz um check-up na situação da fralda e o troca, agora com um sonoro chorinho, enquanto preparo o tetê. E é aí que a mágica acontece. Bento mama com vontade. Agarra o seio com as duas mãos enquanto faço carinho no seu cabelo e o observo. Todo dia me assusto ao perceber no meu colo uma criança nova. 

Foi neste momento que vi suas bochechas ganharem volume e uma leve papada se formar abaixo do queixo. Também percebi como os olhos mais vivos que já vi são capazes de relaxar em meio a algumas reviradas engraçadas. Vi o rostinho do meu filho arredondar com algumas semanas de nascido, o corpinho crescer, as perninhas ganhando força devagarzinho. Um dia de cada vez e… onde foi parar aquela carinha de recém-nascido?

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Em cada nova mudança percebo nossos vínculos se ramificando. É como se tivéssemos, mãe e filho, nascido caule para crescer por todos os lados, vendo nossos galhos e nossas raízes buscando terra e ar, se multiplicando e envolvendo o mundo que estamos ocupando agora com novos olhos.

Estamos mudando nosso mundo com os vínculos que construímos diariamente, com meia dúzia de rituais, muito cansaço e uma satisfação inexplicável. Novos elos que se formam na luz do dia que contemplamos juntos; na playlist da amamentação; nas inúmeras dublagens que faço ao longo do dia, tentando imaginar o que meu filho poderia estar pensando de cada momento.

Quase todas as noites - ok, vamos excluir as que Bento se agita por uma cólica mais insistente ou alguma quebra na rotina -, eu digo: “Boa noite, meu filho. Muito obrigada por ter vindo na nossa família. Te amamos muito”. E ele me olha sem entender nada, esboçando um chorinho que diz: “Me dá logo meu pepeto, mamãe”.

Legenda: Basta olhar para perceber que hoje ele já é alguém diferente de quem foi ontem
Foto: Beatriz Jucá

Eu rio. Bento também tem seus rituais. Meu momento preferido da amamentação é a troca da mama, quando ele se estica com os punhos cerrados e faz um beicinho de cinema. Bem que todos me diziam que as dores iniciais da amamentação passariam e que eu curtiria este momento, que se repete uma dezena de vezes durante o dia e madrugada adentro.

Bento tem me ensinado novas formas de dormir e de viver, no auge de seu primeiro mês de vida. Ele me arrasta o tempo todo para o agora e embaralha todas as minhas urgências. Aconteceu agora mesmo, enquanto escrevia esta coluna: ele acordou e ganhou prioridade antes da conclusão deste texto.

Depois que você vira mãe, pequenas coisas podem ganhar uma importância descomunal. Para tudo, que agora Bento é capaz de nos acompanhar com o olhar e está mais sensível aos sons e luzes. Apaga tudo e fecha a cortina no fim do dia. Respeitar a rotina dele é também dar um novo valor ao tempo. Hora de dormir para amanhã acordarmos com um novo bebê.

Neste mês das mães, escrevo uma crônica por semana sobre os primeiros passos na maternidade. Você pode acompanhar aqui e no Instagram MaterniBea.

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