Não existe um jeito certo de parir

Em tempos de trend do Instagram com cinco fatos sobre o parto, estou certa de que não existe um jeito certo de trazer um ser humano a este mundo que não seja respeitar o desejo das mulheres

Legenda: Quinta-feira, 6 de abril de 2023. Acordei de sobressalto com os primeiros sinais de que meu filho estava chegando neste mundo
Foto: Fernanda Siebra/Acervo pessoal

Quinta-feira, 6 de abril de 2023. Acordei de sobressalto com os primeiros sinais de que meu filho estava chegando neste mundo. O momento ainda era de seguir a vida normal, então desci para a piscina para fazer minha caminhada e aliviar o peso da barriga dentro d'água. E como eu reclamava do peso da barriga!

Há meses eu me preparava para que Bento pudesse chegar neste mundo da forma mais natural e fisiológica possível. Fiz pilates, mudei a alimentação, caminhei. No final da gestação, até me matriculei na hidroginástica de um clube que antigamente era frequentado pela high society da cidade.

Lá virei quase personagem. A turma, a maioria de idosos, me chamava de “a grávida” e acompanhava como se fosse novela os últimos dias do meu filho na barriga. “A grávida veio! Bentinho ainda não nasceu”, ouvi muitas vezes.

Legenda: Há meses eu me preparava para que Bento pudesse chegar neste mundo da forma mais natural e fisiológica possível
Foto: Fernanda Siebra/Acervo pessoal

Nas últimas semanas de gestação, dancei o quanto pude. Rebolei dentro da piscina e em cima da bola de pilates para que o meu filho se acomodasse melhor na minha bacia. Aproveitei para brincar fazendo vídeos no Tik Tok jamais tornados públicos. Escolhi a equipe médica, visitei hospitais. Meu marido fez uma playlist com músicas que selecionamos juntos, mesmo sabendo que no dia provavelmente eu ia preferir o silêncio.

Mas voltemos ao dia 6 de abril. Minha bolsa rompeu pouco depois das cinco da tarde, após horas vazando líquido. Uma consulta rápida ao médico e… nada de dilatação ainda. Fui para casa e pedimos duas pizzas grandes, apesar dos protestos do meu pai, médico. “Não é bom comer assim. E se tiver que ir para a cesariana?”. Não dei ouvidos. Estava certa de que Bento viria como eu havia planejado.

As contrações logo chegaram, primeiro sem ritmo. Depois foram ficando mais longas, mais frequentes e ritmadas. Eu respirava fundo para suportar a dor, que arrebentava em mim como uma onda forte. Pensava: é só mais uma, das tantas que me deram caldo nadando rumo ao Mara Hope, um navio naufragado no mar de Fortaleza. E mentalizava a Dory, do filme Procurando Nemo: “continue a nadar, continue a nadar”.

Legenda: As contrações logo chegaram, primeiro sem ritmo. Depois foram ficando mais longas, mais frequentes e ritmadas
Foto: Fernanda Siebra/Acervo pessoal

Vem aí mais uma. Calma! Com meu marido segurando forte as minhas mãos, eu enfrento tudo. Vou ficar de lado que é melhor. Espera! Manu, a enfermeira obstétrica e doula que me acompanhava, notou que os batimentos cardíacos do Bento estavam desacelerando. Vamos pro hospital fazer um exame mais completo, o mesmo hospital onde pouco mais de um ano antes perdi o Francisco na barriga.

Fui para um lugar de medo. O exame não deu ruim, mas os batimentos do meu filho pareciam cair quando eu deitava de lado. Não posso perder esse, eu pensava. Voltamos para casa. Quase 12 horas depois da bolsa ter rompido, nada de dilatação. Bento ainda precisava se reacomodar para que o colo do útero ficasse na posição certa para ele nascer. E eu precisava dilatar dez centímetros.

E agora? O que fazer? Medo. Meu corpo tremia, literalmente. Havia me preparado tanto para o parto vaginal. Li que era crucial conhecer suas fases, conectar-se e entender a importância do psicológico no processo. Medo, medo, medo - como na música do Belchior. Não quero música, quero meu filho vivo, quero uma cesariana. Tem certeza? Ainda aguento a dor física, as vozes da minha cabeça, não.

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Recebi apoio de todos à minha volta para mudar os planos. Descemos pelo elevador do condomínio, parando no ritmo das contrações, que a esta altura vinham a cada dois minutos, e eu só as suportava parada. Mal chegamos no carro, e uma chuva caiu forte lá fora.

Uma cena que, num filme qualquer, julgaríamos como forçada. Até parece que uma chuva cairia assim no momento exato da saída! Pois bem: a vinda de Bento teve esse lado cinematográfico, acreditem.

Bento veio ao mundo às 5h22 de uma sexta-feira santa, pelas mãos da melhor equipe que eu poderia ter escolhido. Depois de uma boa demora para minha internação no hospital dirigido pelo senhor que propagava o “vai dar certo” na pandemia, meu filho nasceu pelas mãos de um médico tão cuidadoso que administrou até meus medos ansiosos durante o parto.

“O Bentinho já vai chegar, Bia”, “a dor vai passar”, dizia o doutor Samuel Verter, narrando tudo e me tranquilizando minutos depois de eu recusar mais um exame para ver os batimentos do Bento por puro medo.

Manu, minha doula, foi minha âncora de confiança junto com meu marido. Eles colocaram meu filho pele a pele comigo tão logo ele nasceu, para que tivéssemos nossa sonhada hora dourada, que nem durou uma hora inteira por conta do cansaço extremo que o Bento apresentou logo que nasceu. 

Ficamos bem, os dois. Bento já nasceu me dizendo que maternidade é aprender a recalcular a rota sempre. A enfrentar medos. A forma como chegou ao mundo, no tempo dele e não necessariamente da forma mais natural e fisiológica possível, me convenceu: não existe jeito certo de parir.

A melhor forma de trazer um ser humano ao mundo é respeitando o desejo das mulheres. Mas os partos deveriam, sim, ser todos humanizados. Que sorte nós tivemos, filho.

Neste mês das mães, escrevo uma crônica por semana sobre os primeiros passos na maternidade. Você pode acompanhar aqui e no Instagram MaterniBea.

 



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