"Árvore genealógica" do coronavírus indica surgimento em novembro de 2019
Especialista da Imperial College de Londres diz que provável origem da pandemia foi antes de dezembro
Para a China e para cada país afetado pela Covid-19, a data dos primeiros casos está clara. Mas o vírus pode ter começado a circular antes, como mostra sua "árvore genealógica" genética.
Febre, tosse, problemas respiratórios... Em meados de janeiro, Aicha, secretária médica de 57 anos, foi internada em Marselha, França, com uma doença respiratória aguda. Seu marido, o médico Jacques, descreveu "todos os sintomas clínicos" do novo coronavírus, como perda de paladar e olfato.
"Se tivesse acontecido em meados de fevereiro, ninguém teria dúvida", disse Jacques. Mas naquele momento, a França não registrava nenhum caso do novo coronavírus.
A mulher de Jacques teve recaídas e fez testes não conclusivos. Aicha pode ter sido um caso precoce?
"Pode-se datar o início da pandemia usando dados de incidência (velocidade de propagação) e estudando os genomas dos vírus. Nos dois casos, na França, os estudos identificam a segunda quinzena de janeiro", indicou Samuel Alizon, diretor de pesquisas do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França (CNRS), na universidade de Montpellier. "Mas é possível que tenha havido casos isolados em janeiro, antes do primeiro caso oficial, no dia 24 daquele mês."
Nos Estados Unidos, autópsias feitas na Califórnia envolvendo dois casos suspeitos revelaram infecções antes do primeiro caso oficial, em 21 de janeiro.
'Semanas antes'
Para definir a data de chegada do vírus, em vários países cientistas buscam hipotéticos "pacientes zero" sequenciando o genoma do mesmo, para traçar sua "árvore genealógica".
Segundo pesquisadores italianos, o vírus teria entrado na Lombardia entre a segunda quinzena de janeiro e o começo de fevereiro, "semanas antes" da confirmação, naquela região, do primeiro foco da epidemia, por volta de 20 de fevereiro.
Vários jogadores do clube Inter de Milão podem ter sido vítimas desde janeiro. O atacante belga Romelu Lukaku questionou: "Tivemos uma semana de férias em dezembro e, depois, juro que 23 dos 25 jogadores não passavam bem. Nunca saberemos", disse, em entrevista a uma rádio.
Mesmo se testes identificassem anticorpos em seus sangues, isto não definiria a data de infecção.
Novembro ou dezembro na China
Em 31 de dezembro, Pequim informou a OMS sobre um foco de pneumonias de origem desconhecida em Wuhan, epicentro da pandemia. Autoridades saniárias locais citam o 8 de dezembro como data dos primeiros casos.
Um estudo publicado na "The Lancet" menciona a identificação de um primeiro paciente em 1º de dezembro. Diversos estudos que analisam as variações genéticas do vírus não contradizem estas datas.
"Dados apontam para uma provável origem da pandemia em novembro ou dezembro de 2019", indicou o epidemiologista na Imperial College de Londres Erik Volz.
Um relatório da universidade em colaboração com a OMS remonta ao "ancestral comum" do vírus em 5 de dezembro (com margem de dúvida entre 6 de novembro e 13 de dezembro).
Andrew Rambaut, da Universidade de Edimburgo, chegou à conclusão de que houve um antepassado comum do vírus, que data de 17 de novembro (com margem entre 27 de agosto e 29 de dezembro). "É normal que um novo vírus circule por semanas antes de ser detectado", assinalou Erik Volz.
Até o momento, foram sequenciados genomas de mais de 15 mil vírus SARS-CoV-2 (nome oficial do novo coronavírus), o que permite traçar a circulação do mesmo graças à sua evolução genética.
Cada vez que se replica, o vírus produz mutações (nenhuma alterou a sua virulência). "De vez em quando, acidentalmente, há mutações que se estabilizam", explicou Samuel Alizon.
Para o SARS-CoV-2, "contamos em média duas mutações ao mês que se estabilizam. Então, se você comparar dois vírus, pode contar quantas mutações os separam", continuou Alizon. "Voltando atrás na cadeia, encontra-se o ancestral comum de todas as infecções."
Este ancestral se encontrava na China. "Todos os vírus que circulam no mundo descendem de linhagens próximas a Wuhan", insistiu Erik Volz.