Veneno de sapo e rituais xamânicos: o que se sabe sobre o caso
Participantes dizem que desembolsaram cerca de R$ 1 mil para a participação no ritual e tiveram efeitos adversos como crises de pânico, pensamentos suicidas e problemas respiratórios
Os rituais xamânicos voltaram a ganhar as páginas de sites e portais de notícias na última semana após um grupo de São Paulo ser acusado pelos participantes de usar, sem aviso, substância psicodélica proibida no Brasil. O caso foi revelado pelo G1.
Os participantes relataram crises de pânico e de ansiedade, surtos psicóticos, problemas respiratórios e pensamentos suicidas entre os efeitos após uma sessão em que foi administrado um veneno de sapo conhecido como bufo.
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Veja abaixo algumas perguntas e respostas sobre o tema
O que dizem as denúncias?
De acordo com o G1, há um padrão nos relatos que se repete: os participantes não foram informados sobre a ilegalidade da substância, não assinaram termo de responsabilidade, não foram acompanhados após as sessões e quando questionaram os responsáveis, que fazem parte do Xamanismo Sete Raios, a respeito dos efeitos adversos posteriores, ouviram se tratar de algo "normal".
O que é o bufo?
O veneno extraído do sapo de espécie Bufo alvarius é fumado em rituais e cerimônias liberando o psicodélico 5-Meo-DMT, que está na lista de substâncias proibidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Quais os efeitos da substância?
A 5-MeO-DMT produz experiências psicodélicas intensas, o que pode incluir alucinações.
Em estudos observacionais, participantes relataram sentimentos de unidade com os outros e com o ambiente, sensações de dissolução de limites e do ego.
Em um dos estudos, voluntários saudáveis que usaram a secreção do sapo apontaram melhoras em sintomas de depressão, ansiedade e estresse após uma única inalação.
Entre os efeitos adversos da substância estão medo, tristeza, ansiedade e paranoia, além de problemas cardiovasculares e respiratórios.
O que diz a lei sobre o uso da substância?
A Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos, do Ministério da Justiça, diz que o "uso de substâncias alucinógenas como a 5-Meo-DMT, retirada do sapo Bufo alvarius, é crime, uma vez que tal prática é proibida no país".
O que diz o instituto que faz os rituais?
Ao G1, o Instituto Xamanismo Sete Raios afirmou, por meio de suas advogadas, que "jamais teve ou tem como objetivo incentivar ou promover o uso social ou terapêutico de substâncias ou, ainda, a substituição de práticas de saúde, tratando-se exclusividade de abordagem de caráter ritualística e religiosa, com finalidades espirituais".
A nota afirma ainda que no fim de 2019 o instituto recebeu a visita de um suposto líder espiritual do México que trouxe o 5-MeO-DMT e conduziu rituais na presença de integrantes do grupo Xamanismo Sete Raios.
O instituto diz ainda que, quando os eventos ocorreram, os representantes não tinham conhecimento da discussão acerca da legalidade da substância no Brasil e nega qualquer associação com rituais como esses posteriormente. Os relatos, porém, se referem ao uso da substância em rituais no ano de 2021.
Quanto os participantes gastaram no ritual?
Uma participante que não quis se identificar disse ao G1 que pagou cerca de R$ 1 mil em uma sessão de bufo no início de 2021. Outra disse que pagou R$ 1,3 mil.
O que é o neoxamanismo?
O instituto Xamanismo Sete Raios realiza rituais individuais, atendimentos e retiros coletivos. Isso inclui reiki, meditação guiada, tarô e "limpeza xamânica" com o uso de ervas.
No portfólio, há práticas inspiradas no neoxamanismo norte-americano, mas também referências a "medicinas da floresta", como rapé e ayahuasca.
Ao G1, a antropóloga Aparecida Vilaça explica que as diferenças entre o xamanismo amazônico e o exposto pelo instituto são as ideias de indivíduo e natureza.
De acordo com ela, no xamanismo amazônico não há o "eu", mas sim um mundo relacional, onde o xamã se relaciona com diversos outros seres, não para cura pessoal, mas para refazer relações e pensar relações.
"É um processo social, não de descoberta pessoal. Também não existe essa ideia de 'natureza', existe só vários tipos de gentes [humanas e não humanas], mas não essa separação entre nós e a natureza", explica a professora.