"Eu adorava aquela adrenalina, não queria parar". Quando começou a sofrer com uma lesão, Darlyson Guimarães, 31, estava no auge de seu desempenho no Crossfit. Ele vivia um de seus melhores momentos de autoestima, estava "muito satisfeito" com o próprio corpo e treinava intensamente, quase três horas por dia. Queria começar a competir.

Por tudo isso, o engenheiro de Biotecnologia e Bioprocessos não quis, no início, aceitar que seu glúteo direito estava começando a doer de maneira incomum. Deixou passar. 

"Depois de um ano treinando normalmente, com seis a oito meses, comecei a sentir [dores]. Pouca coisa, uma pontada aqui, outra ali. Um dia, dois dias... Aí deixava de sentir", lembra. Foi só quando a dor irradiou para a perna e para o pé, a ponto de Darlyson não conseguir nem mais se vestir sozinho, que ele percebeu que precisava parar. 

O exercício físico é de máxima importância para quem busca saúde, bem-estar e estética. Mas, se executado de maneira errada, ou em exagero — seja na mesma modalidade ou em modalidades diferentes —, pode acabar tendo efeito contrário ao proposto e não só dificultar o progresso como, também, provocar lesões, por vezes, incapacitantes.

Para que a inclusão da atividade física na rotina seja feita de maneira saudável, é preciso tomar cuidado para não sobrecarregar o corpo com mais exercícios do que ele pode suportar ou com um estímulo que, por diferentes razões, ele, também, não aguenta. É fundamental, ainda, descansar o suficiente para que a musculatura se recupere.

Em novembro do ano passado, uma influenciadora digital foi parar na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) após sofrer um desgaste muscular intenso durante uma aula de spinning. Ela fez o exercício, sentiu desconforto na hora e, dias depois, começou a urinar um líquido escuro. No hospital, ela descobriu que desenvolveu uma rabdomiólise — doença causada por uma lesão muscular grave, que pode acarretar lesão renal aguda e até a morte. 

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A importância de estar atento aos sinais do corpo e buscar ajuda profissional 

Darlyson Guimarães, citado no início desta reportagem, levou meses para reconhecer que a dor que sentia no glúteo direito, durante o Crossfit, era um problema sério de saúde. Tanto que, mesmo com desconforto, ele optou por não interromper a atividade para buscar uma avaliação médica.

Foi apenas quando a dor irradiou para outras partes do corpo e se tornou incapacitante que ele decidiu procurar ajuda profissional.

De início, Darlyson achou que seria algo possível de resolver apenas com fisioterapia. Nesse processo, ele chegou, inclusive, a ser "diagnosticado" erroneamente com Síndrome do Piriforme — uma compressão do nervo ciático pelo músculo piriforme, localizado próximo ao quadril — pelo fisioterapeuta que o acompanhava.

Eu fazia fisioterapia, só que não aliviava. Ele [fisioterapeuta] pediu para eu parar o Crossfit e ficar só na musculação. Depois, percebi que foi pior. [...] Chegou a um ponto em que eu sentia dor para tudo. Não dormia direito, sentia dores extremas. Trabalhava de casa, mas não conseguia ficar muito tempo sentado".
Darlyson Guimarães
Engenheiro de Biotecnologia e Bioprocessos

Foram ortopedistas que diagnosticaram o que, de fato, havia causado aquela dor a Darlyson: "Os dois primeiros [médicos] me deixaram totalmente desanimado. Eles identificaram que eu tinha hérnia de disco e disseram que [devido à lesão] eu nunca mais ia voltar a fazer Crossfit", relatou.

Darlyson fazendo fisioterapia com uso de bola e elásticos
Legenda: Darlyson teve que ficar afastado do Crossfit e fazer fisioterapia para se recuperar e voltar aos treinos
Foto: Arquivo Pessoal

Contudo, apegado aos resultados que o esporte proporcionou ao seu corpo e à sua mente, o engenheiro não queria deixar o Crossfit. Por isso, ele buscou uma terceira opinião.

"O terceiro médico também identificou a hérnia, mas foi mais compreensivo. Me encaminhou para fisioterapia. [...] Na primeira sessão, senti que seria ali que eu iria melhorar", disse. Segundo ele, o problema em sua coluna existia desde a infância. Sua mãe, inclusive, já sabia do diagnóstico, mas nunca havia compartilhado.

"Minha coluna tem uma retificação, uma tendência a não ter a curvatura que todo mundo tem. Essa retificação faz com que, para determinados movimentos, eu tenha que fazer alongamentos específicos. Eu não sabia. [...] Meu erro foi tentar remediar [as dores que surgiram] sozinho", reconheceu ele.

Darlyson correndo na rua. Ele é um homem alto e está usando bermuda e camiseta
Legenda: Depois de se recuperar da lesão, Darlyson voltou à prática de atividade física e, hoje, combina treinos de Crossfit com corrida de rua
Foto: Arquivo Pessoal

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Como a avaliação física pode prevenir lesões?

Nem todo mundo que pratica exercício físico precisa de acompanhamento profissional multidisciplinar. No entanto, as avaliações podem ajudar a aprimorar a performance, prevenir lesões e construir um plano de treino que não ultrapasse os limites do corpo.

"É interessante se conhecer, se conectar com o corpo e com o que ele quer dizer. O maior feedback que vai existir é do corpo. Ele que vai dizer se você consegue ou não. Passando por avaliação física, o profissional vai detectar alguma disfunção que possa existir ou que possa ser ocasionada pela demanda que você vai dar para o seu corpo", explica a educadora física Rayanne Magna.

Rayanne Magna é uma mulher magra de longos cabelos pretos. Ela usa óculos redondos de armação preta e, na foto, está com camisa azul e calça preta
Legenda: Rayanne Magna é educadora física
Foto: Arquivo Pessoal

De acordo com a profissional, "existem algumas disfunções que, se não percebidas, durante o exercício físico, podem ocasionar uma lesão", como aconteceu com Darlyson, que "despertou" a hérnia de disco com a repetição de um estímulo específico no Crossfit.

Mas, o cuidado não para por aí. Diagnosticada a lesão, é preciso avaliar a necessidade de fisioterapia e adaptar os treinos antes de começar. "O corpo foi feito para se movimentar. Profissionais do movimento são importantes para fazer a avaliação e saber se dá para continuar treinando ou se é preciso tratar, 'limpar o terreno' para, depois, fortalecer", disse Rayanne. Ela, porém, é enfática ao ressaltar os benefícios do exercício físico, ainda que adaptado: "Movimento é vida, principalmente para quem tem lesão".

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Como saber se estou exagerando nos exercícios?

Independentemente de você ser ou não acompanhado por profissionais da educação física, é possível saber quando se está "exagerando" nos treinos, seja pela falta de descanso, pela intensidade dos exercícios ou pela fadiga muscular.

Além disso, embora sejam bem-vindos aplicativos como o GymRats, que estimulam uma "competição" de treinos entre grupos de amigos, é essencial estar atento para quando a preocupação do competidor ultrapassa a saúde e o bem-estar e recai apenas sobre a disputa e a comparação com o outro.

"Não há cuidado com a segurança, com a integridade física e emocional. Não há escuta do próprio corpo, nem percepção dos limites", resume a psicóloga do esporte Jassy Ribeiro. Ela acredita que ferramentas como o GymRats podem ser úteis, por exemplo, como fonte de motivação para ajudar na construção do hábito e na constância da atividade física, "mas as particularidades individuais de cada pessoa precisam ser consideradas e respeitadas".

Jassy Ribeiro é uma mulher de cabelos lisos e grisalhos e, na foto, está usando roupas pretas. Ela está sorrindo
Legenda: Jassy Ribeiro é pós-graduada em psicologia do esporte
Foto: Arquivo Pessoal

Além disso, a profissional destaca a importância do descanso entre os treinos. "O descanso faz parte, o músculo precisa descansar, a mente precisa se acalmar. Nesses dias, pode fazer uma simples caminhada, passear com o cachorro. Precisamos aprender a desacelerar e fazer atividades sem impacto, sem cobrança, sem meta. Isso, também, é cuidado com a saúde mental", entende Jassy.

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Mas, afinal, pode treinar quantas horas por dia?

O Ministério da Saúde publicou um guia, em dezembro de 2022, com orientações sobre atividade física para a população brasileira. No documento, há dicas específicas para crianças, adolescentes, adultos, idosos, gestantes, puérperas e pessoas com deficiência.

Para adultos, por exemplo, a recomendação mínima é de 150 minutos de atividade física moderada por semana ou 75 minutos de atividade vigorosa. Mas, também é possível combinar esses dois tipos de atividade.

O ideal, de acordo com os especialistas, é que o corpo não seja sobrecarregado com mais demandas do que ele pode suportar. Principalmente considerando que, para muitas pessoas, os exercícios são encaixados numa rotina que ainda envolve uma jornada exaustiva de trabalho.

'Musculação sempre vai ser a base', diz educadora física

No guia, o Ministério da Saúde recomenda, também, que as pessoas incluam, como parte dos exercícios físicos semanais, pelo menos dois dias de fortalecimento dos músculos e dos ossos.

"Eu sempre costumo dizer que a musculação vai ser a base para qualquer exercício secundário. A musculação sempre vai ser a base. A gente pode complementar com [exercício] cardio[rrespiratório] e o cardio pode ser um esporte, como vôlei, futsal, Crossfit", afirma a educadora física Rayanne Magna. 

Ela defende que o esporte seja utilizado, nesse caso, como incentivo para buscar a musculação. "Para melhorar esse esporte com a musculação. Porque, sim, a musculação vai te dar suporte, base, para o alto rendimento para o exercício que você gosta", ensina a profissional.

É na musculação, continua Rayanne, que o indivíduo vai conseguir construir massa e estrutura muscular. "Com o envelhecimento, a gente vai diminuindo essa massa, aumentando o risco de lesões, de queda, de desequilíbrios, falta de coordenação motora, de mobilidade, de funcionalidade corporal. E o músculo vai estar ali para auxiliar no movimento e na estrutura do corpo. Por isso, a musculação é o complemento para outras modalidades. Ela é a base", reforça a educadora física.