Nas ruas, o medo de ser abordada e violentada por um estranho. Dentro de casa, se o companheiro já deu sinais de comportamento agressivo, também já é sabido que aquele não é um ambiente seguro. Os números mostram que cada vez mais mulheres vêm denunciando ser vítimas de violência de gênero ou doméstica.

Com base na Lei Maria da Penha, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) contabiliza que no primeiro trimestre de 2025, 6.189 pessoas do gênero feminino oficializaram denúncias enquanto vítimas da violência no Ceará.

O número mostra que, em média, a cada 24 horas são 68 casos no Estado. Sábado e domingo são os dias com mais ocorrências. Predomina o período noturno, sendo das 18h às 23h quando elas mais procuram a delegacia.

A Polícia Civil do Ceará não concedeu entrevista para comentar os dados

De acordo com as estatísticas, a faixa-etária que predomina entre as vítimas é de 24 a 41 anos (53% das ocorrências).

A reportagem solicitou entrevista com fonte da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) da Polícia Civil do Ceará para comentar sobre os dados e acolhimento, mas não teve resposta.

MEDIDAS PROTETIVAS

De janeiro de 2023 até março de 2025, o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) concedeu pouco mais de 40 mil medidas protetivas às mulheres que sofreram violência em razão de gênero.

São em torno de 1.500 medidas a cada mês, conforme os dados extraídos pela Central de Atendimento em Estatísticas Processuais da Secretaria de Governança Institucional (SEGOV) do TJCE, tendo como fonte o Painel de Violência Doméstica do Tribunal.

4.292 medidas
só no primeiro trimestre de 2025

"A gente vê que os números a cada dia só aumentam. A gente vê que a mulher denuncia cada vez mais, confia mais na Lei Maria da Penha, confia mais nos mecanismos. Acontece feminicídio da mulher com medida protetiva? Acontece. Mas quando ela aciona o Sistema de Justiça isso acende um alerta e mapeamos", disse a juíza Rosa Mendonça, titular do 1º Juizado da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de Fortaleza.

A magistrada destaca que a Justiça conta com a avaliação de risco e tem "como ver matematicamente até o risco que aquela mulher está correndo. Com essa avaliação fazemos o acompanhamento dessa mulher cada vez mais de perto, até mesmo com ligações de três em três dias", disse.

"Ao primeiro sinal de violência, fazer um boletim de ocorrência. Todos nós enquanto sociedade somos responsáveis sim por denunciar. Quando uma mulher sofre violência, é importante acionar o Sistema de Justiça e que também ela não descumpra essa medida, porque vale para os dois lados", complementou a juíza Rosa Mendonça.

Todos nós enquanto sociedade somos responsáveis sim por denunciar.
Juíza Rosa Mendonça

REDE DE ACOLHIMENTO

À frente da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, a desembargadora do TJCE, Vanja Fontenele Pontes falou sobre o programa ‘Proteção de Medida’, com termo de adesão assinado por outros órgãos nos últimos dias. 

A SSPDS divulgou que o programa é dividido em três etapas relacionadas ao cadastro da ocorrência no sistema, o acolhimento à vítima "e, por fim, a terceira etapa consiste na geração de arquivo com todas as informações referentes ao caso e na formalização do pedido de medida protetiva de urgência".

Segundo o TJ, o programa passa por ampliação, se estendendo de Fortaleza para as outras Comarcas que fazem parte da 5ª Zona Judiciária (veja lista ao fim da reportagem).

A ferramenta conta com 27 perguntas para classificação de risco. De acordo com a desembargadora Vanja Fontenele Pontes, “com o resultado desse questionário é avaliado o risco que ela corre. Se o risco for alto, é chamada a atenção das autoridades para afastamento imediato do agressor”.

“É uma ferramenta pensada pelo TJCE e que está pronta. Dá mais segurança ao magistrado para decidir sobre a medida. Em Fortaleza já está funcionando e nas outras comarcas os servidores vão ser capacitados”, disse a desembargadora.

CASOS DE REPERCUSSÃO

Dentre os casos de violência em razão de gênero ocorridos no Ceará em 2025 e que tiveram repercussão estão a morte de uma mulher asfixiada na frente do filho, na casa do casal, em Aquiraz, e um ataque durante o Carnaval, em Fortaleza, que desfigurou a vítima, agredida por ela 'ter rido da queda do namorado'.

Em janeiro deste ano, Caio Giovane Alves Cavalcante foi preso por suspeita de ter matado a própria namorada asfixiada na presença do filho dela.  Na época, o casal namorava há quatro meses. 

No último mês de março, Caio foi denunciado pelo Ministério Público do Ceará (MPCE), que diz que "o crime foi cometido por razões da condição do sexo feminino, em contexto de violência doméstica, o que caracteriza feminicídio".

Também em março, o MP denunciou o homem que atacou a namorada, em Fortaleza, com mordidas nos olhos, boca e nariz, porque, supostamente, a vítima teria rido de uma queda do acusado. 

Neste caso, a vítima conseguiu se desvencilhar do agressor antes de um desfecho ainda mais trágico. Segundo a acusação, a mulher foi hospitalizada em estado grave, chegou a perder parte do lábio e precisou fazer um enxerto no queixo. 

O homem ainda teria mordido outras partes do rosto da vítima, como o nariz, dedos da mão esquerda, os pulsos, o antebraço direito e depois tentado a estrangular. O caso foi registrado no dia 4 de março de 2025, no Carnaval, no bairro Vila Velha, em Fortaleza. 

Nesta quarta-feira (23) o Diário do Nordeste publica a segunda matéria do conteúdo especial sobre violência doméstica. 

LISTA DAS CIDADES NA 5ª ZONA JUDICIÁRIA: 

  • Fortaleza
  • Cascavel
  • Beberibe
  • Caucaia
  • Itapipoca
  • Paracuru
  • Pacatuba
  • Trairi
  • Fortaleza
  • Aquiraz
  • Chorozinho
  • Eusébio
  • Guaiuba
  • Horizonte
  • Itaitinga
  • Maracanaú
  • Maranguape
  • Pacajus
  • Paraipaba
  • Pindoretama
  • São Gonçalo do Amarante.