Piso da enfermagem pouco avança em prefeituras do Ceará e reajuste segue com lacunas para categoria
Nova previsão de envio de recursos pela União a estados e prefeituras é 10 de junho, para pagamento em julho
"No momento, não temos recurso": a frase do prefeito de Caucaia, Vitor Valim (sem partido), para anunciar que a gestão não vai aplicar o piso salarial da enfermagem, em live na última quarta-feira (31), tem sido a toada de muitos gestores públicos. Mesmo com a liberação de recursos pela União, poucos municípios no Ceará anunciaram o reajuste de enfermeiros, auxiliares, técnicos de enfermagem e parteiras.
Nas últimas semana, as prefeituras de Itarema e Mombaça anunciaram a aplicação do piso. Elas se somam às prefeituras de Tauá, Monsenhor Tabosa, Tianguá, Cruz, Aquiraz e Cedro. Para ser efetivado, o Poder Executivo municipal tem de enviar um projeto de lei para aprovação na Câmara de Vereadores, posteriormente sancionado pelo prefeito ou prefeita da cidade.
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Conforme lei nacional sancionada em agosto de 2022, o valor mínimo que deve ser pago de salário aos enfermeiros é de R$ 4.750; aos técnicos de enfermagem, de R$ 3.325; e aos auxiliares e parteiras, de R$ 2.375.
Um lacuna deixada pelos legisladores do Congresso Nacional diz respeito à carga horária à qual se aplica o piso. A definição tem ficado por conta dos gestores municipais. Na maioria dos casos, fica previsto em lei o reajuste para a carga horária de 40h semanais, mas há prefeituras em que os contratos são de 30h, o que tem gerado insegurança nos profissionais.
Em Mombaça, a lei aprovada em maio não estabelece a carga horária para o reajuste da remuneração. O pagamento, inclusive, está atrelado ao repasse de recursos da União. A Prefeitura de Mombaça prevê um acréscimo de despesas em 2023 no montante de R$ 813.711,00. O repasse especificamente para o custeio do piso neste ano deverá atingir R$ 2.214.844,29, com repasses mensais a partir de R$ 246.093,81 para Mombaça.
O envio desses recursos pelo Governo Federal foi autorizado pelo presidente Lula (PT) no dia 12 de maio, totalizando R$ 7,3 bilhões para todo o País, distribuídos conforme parâmetros do Ministério da Saúde. Entre os 184 municípios do Ceará, os repasses variam de R$ 2,9 mil a R$ 10 milhões.
O município de Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza, receberá parcelas de R$ 349 mil até o total de R$ 3.140.744,85. O valor, segundo o prefeito, no entanto, não é suficiente.
"Infelizmente não tenho esse recurso, como prefeito, para pagar (o piso). Vem 300 mil do Governo Federal. Fora isso, o impacto mensal que teria de ser aportado para cumprir o piso nacional seria de R$ 1.300.000,00 reais. Então, no momento, não temos recurso", disse Vitor Valim, enquanto anunciava vagas de um concurso que abrange a categoria, mas sem o reajuste efetivado.
Na sexta-feira (2), após a live de Valim, a categoria fez um ato em frente à sede da Prefeitura, em protesto pelo anúncio de não pagamento do piso.
“A gestão anunciou que não daria o piso antes mesmo de dialogar com a categoria. O piso é uma conquista que reconhece e valoriza a categoria que mais trabalhou para salvar vidas durante a pandemia. Estaremos ao lado dessas trabalhadoras e trabalhadores para fazer valer esse direito", disse em nota a vereadora de Caucaia Enedina Soares (PT), que esteve na manifestação.
O cenário não é diferente da liderança estadual. No último dia 18 de maio, o governador Elmano de Freitas (PT), ao lado da ministra da Saúde, Nísia Trindade, disse que enviaria o projeto de aplicação do piso ao Legislativo "nos próximos dias", o que não aconteceu após duas semanas.
“Há uma preocupação dos governadores que, a princípio, o valor repassado pelo Governo Federal não é suficiente para cobrir todas as despesas do piso da enfermagem dos nossos estados”, disse Elmano, dias após a promessa, em um encontro em Brasília, com outros governadores, para tratar do piso.
Data de pagamento
Com a assinatura da portaria que liberou os recursos, houve a expectativa de que o dinheiro fosse enviado às prefeituras e governos estaduais ainda em maio, o que não aconteceu.
O deputado federal do Ceará Mauro Filho (PDT), que tem atuado para destravar os recursos junto ao Governo Federal, disse, na quarta-feira (31), que o dinheiro deverá ser aplicado para as folhas de pagamento de julho.
"A União vai colocar o piso na folha de junho, que paga no dia 1º de julho. Vai ser inserido o mês de junho. Segundo a interpretação do Ministério da Saúde, maio deve ser pago só a partir de 16 de maio, data da decisão judicial", pontuou o deputado em vídeo nas redes sociais. A previsão, portanto, é de que o pagamento passe a ser considerado a partir da liberação do piso no Supremo Tribunal Federal.
Impasse no Judiciário
A morosidade na efetivação do piso da enfermagem está ligada principalmente à suspensão da aplicação do piso em liminar do ministro Luís Roberto Barroso, em setembro do ano passado.
A aprovação de medidas complementares no Congresso Nacional, como a definição de recursos de suporte a estados e municípios, fez com que o ministro autorizasse o cumprimento do piso. A análise dos demais ministros sobre o posicionamento de Barroso, no entanto, segue no plenário virtual do STF, com novos desdobramentos.
Em nova posição, Barroso determinou o cumprimento imediato do piso no setor público, mas manteve a possibilidade de negociação entre empregadores e sindicatos para efetivação do piso no setor privado até 1º de julho. Ele também defendeu que o piso só deverá ser pago pelos entes públicos até o limite orçamentário recebido pela União.
O impasse se agravou com o voto do ministro Edson Fachin, que determinou a derrubada completa da suspensão do piso, com aplicação original da legislação. A divergência fez com que o ministro Gilmar Mendes pedisse vistas e suspendesse novamente a votação.
Nesse cenário, está vigente a decisão de Barroso pela liberação com ressalvas até o fim do julgamento, o que pode levar meses.
Instabilidades entorno do piso
Na terça-feira (30), a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) reuniu cerca de mil prefeitos em Brasília para discutir a aplicação do piso da enfermagem. A CNM tenta aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 25/2022, que deve ampliar em 1,5% o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) no mês de março. A medida, segundo a entidade, solucionaria o impacto de R$ 10,5 bilhões previstos, apenas aos Municípios, com o pagamento do piso.
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A situação da tramitação no STF também tem sido usada pela CNM para pedir cautela aos gestores na aplicação. “O ministro Gilmar Mendes pediu vistas e foi um ponto positivo para nós, mas precisamos agir na busca desse recurso para pagar o piso”, afirmou o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, no evento em Brasília.
O que se tem até agora
O pagamento, vale reforçar, não está suspenso, e o Governo Federal tem previsto o repasse de verbas no próximo dia 10 de junho, segundo Mauro Filho.
Em relação aos estados e municípios que têm apontado valores equivocados no repasse, a recomendação é enviarem recursos ao Ministério da Saúde para avaliação e eventual correção dos valores.
Como se trata de uma lei, gestores públicos podem responder por improbidade administrativa pelo descumprimento, mas a queda de braço deve se estender com as instabilidades judiciais e legislativas.