A lei que estabelece o teto de 17% para o ICMS sobre combustíveis, energia elétrica, telecomunicações e transporte coletivo, sancionada nesta quinta-feira (23), pode ser considerada ilegítima e ter sua validade questionada pela falta de uma devida análise de impacto.
Ainda na noite da quinta, logo após o Diário Oficial da União (DOU) publicar a sanção da lei, a secretária da Fazenda, Fernanda Pacobahyba, publicou nas redes sociais um vídeo lamentando a decisão.
Segundo ela, ao vetar a compensação da perda de receitas para os estados, inclusive da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), houve “na prática, para o Estado do Ceará, uma perda de arrecadação em seis meses da ordem de R$ 2,16 bilhões”
Nós teremos apenas a compensação com a dívida da União. Para o Estado do Ceará, são irrisórias, da ordem de R$ 5 milhões por mês. Vezes seis meses, nós teremos R$ 30 milhões apenas de compensação”
A titular da Sefaz disse ainda que sua equipe estava calculando as perdas dos municípios cearenses, que segundo ela devem aumentar, e os impactos para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Isso porque também foi vetada a determinação de que a União compensasse os Estados e municípios para que mantivessem os gastos mínimos constitucionais em educação e saúde na comparação com o que estava em vigor antes de a lei do teto valer.
"As perdas para a educação cearense também serão ampliadas”, ressaltou Fernanda Pacobahyba.
Esta coluna demandou a Casa Civil e a Secretaria da Fazenda (Sefaz) pedindo um posicionamento oficial do Estado e indagando se os cálculos citados pela secretária, mas não teve retorno.
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A nova lei do ICMS teve como mote o princípio tributário da seletividade, segundo a qual produtos, mercadorias e serviços devem ser tributados em proporção inversa à sua essencialidade.
“A ideia é fazer esse controle extrafiscalidade. Cigarro, bebida, tendem a ser mais caros, porque pode ser seletivo. E os demais, como água, produtos da cesta básica, seriam tributados com a menor alíquota possível”, explica o advogado e presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB Ceara, Hamilton Sobreira.
"A seletividade significa isso, que os bens de uso essencial devem ser tributados de forma mais baixa, e os bens supérfluos de forma mais alta", resume.
Segundo ele, apesar deste ser um debate legítimo, “fazer esse corte de uma vez é arriscado no orçamento”, alerta. “Imagine você ganhar R$ 15 mil e te cortam pra R$ 7 mil, 5 mil, 6 mil”, exemplifica.
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Sobreira destaca que a Lei da Liberdade Econômica prevê uma análise de impacto regulatório, “que conterá informações e dados sobre os possíveis efeitos do ato normativo para verificar a razoabilidade do seu impacto econômico”, segundo seu artigo 5º.
Baseado neste princípio, o advogado defende uma análise de impacto tributário. “Todas as vezes que for fazer uma lei tributária, nós temos hoje instrumentos algoritmos para saber o impacto a curto, médio e longo prazo”, justifica.
Se você não fizer isso, tende a ser um ato ilegítimo do gestor, sem saber o impacto tanto para o Estado quanto parta o contribuinte”
A nova lei pode ser questionada judicialmente não apenas pela falta de avaliação desses impactos, mas também pela consequência disso, que é o quanto isso pode afetar os serviços do Estado, como educação e segurança, por exemplo.
Hamilton Sobreira destaca que é o retorno social que dá legitimidade ao tributo. “Eu sou defensor dos contribuintes, mas sou defensor da boa relação entre o fisco e o contribuinte. Se você corta dinheiro do estado, ele não vai te dar o mínimo”, alerta.
Para o tributarista, o veto das compensações torna lei questionável. "Ao ser cortado, você está tirando um pouco da técnica e partindo para outros pressupostos que não podem ser utilizados no direito tributário”.
Sobreira ainda especula as motivações do governo federal para isso. “Talvez a própria União não tenha dinheiro para poder fazer esses repasses e tomou essa medida. Ou seja, está fazendo cumprimento com chapéu alheio”, concluiu.