Amamentação: Momento ouro para mãe e bebê
Nunca tive leite suficiente para doar, mas admiro todas as mães que compartilham um pouco desse "alimento ouro", que garante a nutrição de tantos bebês prematuros em unidades neonatais
Era madrugada, já entrando para o dia 19 de agosto de 2020. Beatrice nasceu com choro forte e veio para o meu aconchego. Um momento tão íntimo e cheio de vida, pele a pele. Começou ali, entre medo, emoção e cansaço, a primeira pega perfeita - minha filha encontrou o meu peito e começou a mamar na sua primeira hora de nascimento. Tudo pareceu muito fácil.
“Golden hour – hora de ouro – é a primeira hora da mãe com o recém-nascido. Possibilita o contato da mãe com o bebê imediatamente após o parto, um momento que promove a continuação do vínculo que começou durante a gestação. Também ajuda o bebê na transição do útero para o ambiente externo.”
Durante a gestação eu sonhava com a experiência da amamentação, tinha até resistência sobre dar a fórmula. Acho que criei expectativas, enquanto vivia tantas mudanças e colecionava inúmeros medos. Chegando em casa, começou a rotina do aleitamento. Por dias aquele momento tão esperado, tornou-se doloroso.
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Passei a me culpar por não ser boa o suficiente para alimentar minha filha. Eu sei! É injusto pensar assim. Na maternidade real é que reconhecemos o nosso limite. Eu precisava de ajuda. A preparação faz a diferença e nem tudo é intuição de mãe. Não romantize a amamentação.
Fiquei relembrando meus tempos de iniciante e fui buscar explicações com a Gleydiane Barroso – farmacêutica e responsável técnica pelo Banco de Leite do Hospital Geral Dr. César Cals. Ela falou sobre a primeira pega do bebê. “Geralmente é mais fácil por conta da fase inicial de colostro, que vai até o sétimo dia de vida da criança, onde a quantidade do leite é pouca e suficiente para alimentar o bebê. Já no momento da apojadura – descida do leite – que é quando a mulher dorme tranquila e acorda com o peito cheio, a mulher pode encontrar mais dificuldade.”
A importância do acolhimento e da experiência
Minha filha não estava ganhando o peso adequado para a curva de crescimento e eu continuava tentando. Com a indicação de uma querida amiga, procurei atendimento no Hospital Geral Dr. César Cals, referência no banco de leite humano do Ceará e no acolhimento e incentivo ao aleitamento materno.
Cheguei meio envergonhada e já fui logo dizendo que não tinha leite suficiente para amamentar minha filha. A enfermeira me olhou sorridente como quem escuta diariamente a mesma fala aflita. Ela disse: “Senta aqui mãe, deixa eu ver uma coisa” em poucos segundos ela começou a demonstrar. “Olha aqui o tanto de leite que sai do seu peito. Tenha paciência com você e sua bebê, vocês estão aprendendo. Não existe nutrição melhor.”
Até hoje sou grata pelas palavras e pelo olhar de carinho. Me deu confiança para continuar. Com o passar dos dias fui ganhando mais habilidade. Beatrice passou a pegar o peito corretamente. Mas calma aí, nem tudo são flores. No meio do processo meu peito feriu diversas vezes. Tinha dia que eu chorava para conseguir amamentar e ainda tive que alternar o aleitamento com a fórmula para garantir o ganho de peso da minha pequena.
Para conseguir, precisei de muita paciência, rede de apoio, treino e assim fui aprendendo a controlar a autocobrança. Passei a focar exclusivamente no objetivo principal: alimentar minha filha. Amamentei minha princesa até os seus dois anos. E se fosse diferente? O esforço seria o mesmo, até me adaptar. O processo define o que é mais adequado.
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“O leite materno é a primeira vacina do bebê. Ele vem enriquecido de todos aqueles anticorpos que a mãe produz e passa para a criança, recebendo ali a quantidade de água, de proteína e de gordura, suficientes para o crescimento e desenvolvimento com qualidade. Para a mãe, favorece um contato mias intimo, previne doenças, ajuda na recuperação pós-parto e esvazia as mamas, evitando complicações como ingurgitamento mamário – popularmente conhecido como leite empedrado.”
200 ml de leite humano pode alimentar até 10 bebês prematuros
Minha filha nasceu em agosto – mês do aleitamento materno – uma campanha de conscientização que precisamos encarar com responsabilidade. Nunca tive leite suficiente para doar, mas admiro todas as mães que compartilham um pouco desse – alimento ouro – que garante a nutrição de tantos bebês prematuros em unidades neonatais. Gleydiane me contou sobre a importância das doações.
“Somos um hospital referência de gestante de alto risco. O número de prematuros é muito alto. Atendemos em média de 70 a 80 recém-nascidos diariamente. Somos um hospital porta aberta, trabalhamos além da nossa capacidade e a demanda diária de leite é muito alta.”
Uma mãe que vive a solidão do seu maternar, diante de tantos desafios, não precisa ser questionada sobre amamentação. Palavras de uma mãe que já esteve no processo e sabe o quanto é doloroso iniciar, seguir ou recalcular uma rotina de aleitamento materno. Entenda: não é simplesmente uma escolha, é o que cada mulher consegue fazer pelo seu filho. Não julgue, acolha! Se possível, faça a sua doação.
Ceará avança no apoio à amamentação
“De acordo com dados da Rede de Bancos de Leite Humano Brasileira (RBLH-BR), Em 2023 o estado atendeu 50,8 mil lactantes por meio de nove bancos de leite e 37 postos de coleta. Além dos atendimentos individualizados, o Ceará realizou 23,9 mil atendimentos em grupo e 13,4 mil visitas domiciliares, todas gratuitas e focadas na prevenção do desmame precoce.”
Para quem precisa de orientações durante o aleitamento materno, o atendimento no Banco de Lei do HGCC funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana e atende a demanda de todas as mães. Não importa a maternidade que a mulher pariu.
Para as mães que não conseguem ir presencialmente, o atendimento pode ser agendado via WhatsApp com uma médica pediatra. A unidade também faz coleta do leite doado em domicílio. O agendamento para consulta ou doação é pelo telefone: (85) 99421-9941.
Confira a lista completa dos bancos de leite humano no Ceará e todas as orientações sobre a coleta.