De ‘turrão’ a manteiga derretida: a transformação que um policial cearense passou ao se tornar pai
Pai de três e avô de um, Roberto Carlos Araújo Silva credita à paternidade o fato de enxergar o mundo sob outra perspectiva enquanto continua a abrir o coração para que o amor entre e se multiplique
Ninguém nunca imaginou – nem mesmo ele. Porque quando entrava em ação pela tropa de elite da Polícia do Ceará, nada de muito carinhoso acontecia. É assim que as pessoas enrijecem. Tornam-se frias, pessimistas, desestimuladas com o mundo. Durante anos, Roberto Carlos Araújo Silva foi assim: sério, firme. Em bom cearense, um “turrão”.
Talvez pensasse que quem estivesse ao redor deveria ser tratado a rédea curta. Sem muito papo, sem espaço para a escuta. Talvez tenha se acomodado a essa identidade. A profissão exigia determinado tipo de comportamento, que impusesse respeito e deferência. Não dava para abrir o coração. Se permitisse a ternura, julgava haver risco de perder a autoridade.
Felizmente, tudo muda. Roberto não fugiu à regra. Mudou ao completar 30 anos. A nova idade foi mais que o início de mais uma década. Porque, no apagar das velinhas, também nasceu a primeira filha, Lívia Gabrielle. Ela era pequena, um pacote precioso de amor. Aguardada e acarinhada desde a concepção, testemunharia a revolução na vida do pai.
Veja também
Antes tão sólido, pouco a pouco Roberto assumiu outra faceta: a de homem afável, meigo, ameno. Via Lívia no berço, tocava as mãozinhas dela, sentia o perfume, e tinha certeza de que o mundo era bom. Lá fora ainda existia dor, violência, crueldade. A pureza da bebê, contudo, parecia afirmar que as coisas ainda têm jeito. De que o bem pode prevalecer.
Tornou-se uma manteiga derretida – logo ele, cidadão tão implacável. “O contato com um filho faz a gente mudar muito. Fui aquele pai de trocar fralda, banhar, pentear cabelo, arrumar para levar pro colégio. Quando bebês, minhas filhas nunca aceitavam mamadeira, então eu levantava várias vezes à noite pra dar leite de colherzinha. Tudo isso fortaleceu uma aproximação muito forte com elas”, conta o pai, voz embargada de emoção.
São três as herdeiras: além de Lívia, Rita Isabelle e Karoliny Leandro também ornamentam a alma do patriarca. Fazem dele “o homem mais feliz do mundo”. A esposa, Leonice Araújo – 40 anos de união, entre namoro e casamento – completa o time de mulheres que transforma a perspectiva desse cearense todos os dias. Entregam a ele a fatia mais preciosa da existência: a do saber-se querido e cuidado por alguém.
“Por pensar nelas, passei a me cuidar mais, ter mais zelo com a vida, ser menos aventureiro, refletir mais sobre as ações… Acho que isso fez com que, antes de casar, minhas filhas dissessem que queriam encontrar um parceiro próximo às minhas ações. Me sinto honrado, orgulhoso mesmo”. O sentimento é justificado: nunca pensou em ser assim.
Na infância, Roberto não recebeu muito colo. Os pais costumavam ser práticos, menos afeitos a aconchegos. Hoje ele entende terem sido as ferramentas desenvolvidas por eles para sobreviver com menos sofrimento àquela época de desafios. Não resvalar na prole o que muitas vezes rasgava o peito. Agiram como precisavam agir.
Ao mesmo tempo, a partir do ingresso na Polícia e da realização de um trabalho no qual a ordem era a grande máxima – “sou das antigas, então imperava muito a truculência” – ele se afastava cada vez mais de um espírito delicado e brando. Não havia muito o que fazer a não ser vestir a capa da inflexibilidade. Tudo tão diferente de como é agora…
“Hoje, já aposentado, não quero mais compromisso com trabalho. Gosto e quero viver bem livre. Sou metido a atleta, tenho faixa preta em Jiu-Jitsu, dou aula num projeto social, e meu sonho é ver minhas filhas bem, com dias cada vez melhores. Elas são dez, merecem tudo o que já conquistaram e ainda vão conquistar”. Antes desse sonho, porém, testemunhou outra revolução no próprio ser.
Ainda na Polícia, Roberto lembra de, após o nascimento das filhas, começar a agir na lida com mais cordialidade. Virou uma espécie de psicólogo do pelotão. Passou a ouvir mais, considerar as zonas cinzas, ser o mediador. À boca miúda, há quem diga que se tornou verdadeiramente humano – e passou a ser ainda mais há um ano e sete meses.
Foi quando outro nascimento mexeu com as estruturas do homem: Guilherme Mariano chegou. Ele é filho de Rita Isabelle, descrito como “a coisa mais linda do mundo”. Dorme com o avô na rede, toma banho de pia aprontado por ele, divide os mesmos óculos escuros. Os gestos, tão pequenos, foram os mesmos compartilhados por Roberto com as filhas; agora, é tudo novo de novo.
Amor de avô, tão diferente do de pai, é da mesma ordem de encantamento. “Olhar praquela criaturinha é como ver seus filhos novamente e ter a oportunidade de cuidar, cheirar, chamegar. O amor é dobrado, sem medida. Até estraga”, gargalha. “Lembro de quando levava minhas filhas para o parque, comer churrasquinho na calçada, acompanhava as apresentações na escola… São memórias fortes em mim e nelas também”.
Para o futuro, é missão inadiável escrever ainda mais páginas desse livro da vida com a afeição que apenas as grandes pessoas sentem. E sustentá-las. Saber que o dom de ser pai ultrapassa qualquer entendimento e rigidez: age no minúsculo e toma conta de tudo até expandir. Explodir em estrelas mil.
“A presença de um pai, assim como o apoio de qualquer pessoa, é muito importante para um ser humano. Todos queremos ser ouvidos, abraçados, acolhidos. O amor é um cuidar gratuito. É oferecer o melhor de si sem querer nada em troca. Livre. É o que eu quero viver agora com minhas filhas, meu neto, minha família… Desfrutar dos maiores presentes da minha vida”.
Esta é a história de amor de Roberto Carlos Araújo Silva pela paternidade. Envie a sua também para diego.barbosa@svm.com.br. Qualquer que seja a história e o amor