Há 30 anos, cearense doa o próprio tempo para escutar pessoas em projeto de apoio emocional
Francival Pires é um dos voluntários do Centro de Valorização da Vida (CVV) em Fortaleza; além de ajudar a salvar vidas, estimula outras pessoas a seguir o mesmo rastro de gratuidade e amor
Quando o calo da vida aperta, a quem você procura? Milhares de pessoas em todo o Brasil lançam mão do celular e discam 188. É o número do Centro de Valorização da Vida (CVV), serviço voluntário gratuito de apoio emocional para quem deseja e precisa conversar.
Sob total sigilo e anonimato, as ligações acontecem a qualquer hora do dia ou da noite. O atendimento funciona 24 horas – seja por telefone, chat, e-mail ou pessoalmente. É coisa tão rara quanto bonita: saber que, do outro lado da linha ou da tela, haverá alguém disposto a escutar. Fazer companhia, auxiliar na iluminação dos caminhos.
Francival Pires faz parte desse time. É cearense atento. Gosta de cuidar. Faz 30 anos que ele doa o próprio tempo aos fins de semana para ajudar a salvar vidas. A sentença não é exagero. Já perdeu a conta de quantos atendimentos realizou nos quais a escuta ativa foi fundamental para que os abalos emocionais de outro fossem acalmados. Vislumbrassem novo futuro.
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“Tudo o que a gente fala na ligação vem da própria pessoa que busca o serviço. Não fazemos aconselhamento convencional – no qual alguém liga, pede um conselho e recebe orientações de como proceder. Pelo contrário: trabalhamos na base do questionamento para ajudar a pessoa a pensar e, assim, fazer com ela própria tome uma decisão”, conta o economista.
Em resumo: tornam tudo menos turvo, apascentam o caos. E pensar que, no caso de Francival, a jornada começou com simples convite… Era 1995 quando uma voluntária veterana do CVV o interpelou a participar do serviço. “Sábado que vem vamos começar um curso para novos voluntários, você não gostaria de participar?”. Foi o suficiente.
Esse primeiro encontro se repete por décadas. É sempre novidade quando ele acessa o sistema do CVV do computador da própria casa para realizar atendimentos. Ou quando se dirige à altura do número 806 na rua Ministro Joaquim Bastos, bairro de Fátima.
É a sede do projeto em Fortaleza, na qual Francival e mais 46 voluntários da cidade ainda almejam reabastecer cada vez mais a energia para seguir na missão por meio de diálogos, colóquios, entre outras ações. No momento, o prédio é pouco utilizado porque precisa de reformas. Mas segue pulsando por meio de estudos promovidos pelos voluntários via internet.
O aprofundamento é necessário. Os colaboradores da missão têm formações diversas e precisam sintonizar o modo de proceder diante das demandas que chegam. Afinal, o CVV não realiza sessões de terapia – apesar de se apoiar em um conceito da área, o da Abordagem Centrada na Pessoa.
São essencialmente escutas atentas. “Com o tempo, aprimoramos o conhecimento do trabalho, de como ele funciona, e a isso somamos à experiência do plantão”.
Falando nisso, hoje os plantões do cearense acontecem aos domingos, quando tem mais tempo disponível – mas já foram realizados em vários horários. Enquanto a maioria das pessoas está se divertindo, os ouvidos dele seguem concentrados, disponíveis. Cada ligação dura o tempo que for necessário para que quem está do outro lado sinta-se melhor.
Nesse embalo de atenção plena, ao sentir a importância de todos serem acompanhados sem julgamento, sem interferência e com respeito, todo mundo se fortalece. Não à toa, quando fala do sentimento desenvolvido pelo CVV em tanto tempo de atuação, é direto: “Foi uma paixão que se transformou em amor maduro e que me leva a perseverar. A cada pessoa que conhecemos, fica mais nítida a relevância de alguém disponível a qualquer hora para ouvir”.
E não deixa de destacar: “Os maiores beneficiados do trabalho somos nós mesmos, voluntários. Porque à proporção que a sua vida faz diferença na vida de outra pessoa, isso traz um ganho espiritual e emocional incalculável. Não tem como medir o preço de um voluntariado porque como cobrar por algo cujo valor é inestimável? Não daria certo”.
Tem a ver também com a própria formação pessoal do economista. Além de bacharelado em Ciências Econômicas, Francival tem graduação em Teologia e sempre participou de grupos juvenis na igreja. Os passos, acredita, influenciaram no desejo pulsante de fazer algo bom para alguém. Ao receber o convite para integrar o CVV, não teve muito o que pensar.
O CVV, porém, não possui vínculo com religião específica. O serviço é feito a muitas mãos por pessoas de todos os credos, raças, estratos sociais e outras categorias. Mas Francival gosta de pensar que não existe coincidência nesse mundo. Se está perseverante até hoje, é o querer divino agindo, em consonância com o que ele escreveu no papel há 30 anos quando perguntado sobre a razão de aderir ao serviço: “Jesus Cristo”.
“Sempre digo que só vou sair do CVV quando for pro cemitério, no sentido de que enquanto tiver forças vou doar minha vida pra essa causa. Deus é amor, Jesus é amor. Quando você sente isso, não consegue prender. Cria-se uma necessidade de extrapolar, de colocar pra fora, de sair gritando. E a minha forma de gritar esse amor é essa: disponibilizando os ouvidos e dizendo, ‘não sei quem você é, mas, independentemente disso, te amo’”.
E põe amor nisso. Além dos plantões, Francival também é facilitador do Programa de Seleção de Voluntários, destinado a acolher quem chega para somar ao CVV. Aos sábados, ele e mais uma turma de colaboradores se debruçam em documentos, artigos, vídeos e outros instrumentos de aprofundamento sobre o cuidar do outro, com delicadeza e carinho.
Modo valioso de permitir com que outras pessoas ajam um dia feito ele: afirmando que existe um antes e um depois do CVV. “Uma coisa é você ouvir e outra é você escutar. Quando, além do ouvido físico, existe o ouvido da alma, do coração, tudo se transforma. É caminho sem volta. Ainda bem”.
Esta é a história de amor de Francival Pires pelo Centro de Valorização da Vida (CVV). Envie a sua também para diego.barbosa@svm.com.br. Qualquer que seja a história e o amor.
Para acionar o CVV, basta ligar gratuitamente 188 ou buscar atendimento por e-mail ou chat. Cuidar da saúde mental é ato de amor.