Orgulho é palavra bonita, mas para muitos de nós, Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Pessoas Intersexo, sentir orgulho de si pode ser uma requisição ainda muito distante. Afinal, pode alguém, historicamente assujeitado e alienado de sua própria história, desenvolver um profundo senso positivo sobre o seu próprio valor no mundo? Das representações rupestres homoeróticas às gigantescas Paradas pela Diversidade, da escravizada Xica Manicongo à Deputada Federal Erika Hilton, quantos fatos e personagens históricos foram silenciados pela LGBTI+fobia, adiando o encontro com a nossa memória, orgulho e sensação de pertencimento?
No país que mais mata pessoas LGBTI+ no mundo, emprestar o rosto à defesa da livre orientação sexual e identidade de gênero ainda é um ato de coragem. Não à toa, em 1989, poucos foram os que ousaram enfrentar coletivamente o estigma da Aids e a violência brutal contra jovens homossexuais e travestis no Ceará. É por essa razão que precisamos celebrar os 35 anos de fundação do Grupo de Resistência Asa Branca – GRAB, honrar e dizer o nome das pessoas que deram vida a uma das mais antigas organizações de luta por direitos de LGBTI+ ainda ativas no Brasil.
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Preciso situar aqui que, antes de qualquer debate sobre “letramento”, foi (e é) o movimento social o lócus privilegiado de compreensão e de educação política sobre nossas experiências. Dito isso, como não pensar que o GRAB foi a escola de diversas lideranças que contribuíram (e ainda contribuem) ao combate à discriminação e cujos esforços resultaram na emergência, ainda que deficitária, das atuais políticas públicas para LGBTI+ em nosso estado? Cito, por exemplo, o papel de Alan Gomes, Janaína Dutra e Luís Palhano Loiola.
Alan nasceu em Quixeramobim, foi policial civil, modelo e o primeiro presidente do GRAB. Antes de falecer em 1991, vítima de complicações relacionadas à Aids, Alan reuniu um grupo de pessoas para produzir respostas comunitárias pioneiras na prevenção ao HIV e de suporte para outras pessoas vivendo com o vírus no Ceará, denunciando o descaso do Estado.
Janaína Dutra foi vice-presidenta do GRAB e a primeira travesti a obter registro profissional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Ela entendeu cedo a importância de ocupar espaços de aliança, mas que luta por direitos só produziria efeitos emancipatórios se todas as vozes fossem ouvidas em suas singularidades, ajudando a construir a primeira organização nacional específica de travestis, bem como a Associação de Travestis do Ceará - ATRAC.
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E se hoje o debate sobre diversidade sexual nas escolas ainda é objeto de contenda, não foi por falta de empenho de Luís Palhano, doutor em Educação e colaborador do GRAB, que dedicou o seu tempo a produzir saberes e a formar outras centenas de profissionais para construírem espaços escolares mais acolhedores e menos violentos.
Ao longo dos seus 35 anos, o GRAB se fez parte essencial da memória do movimento LGBTI+ cearense, tendo desenvolvido – perspicazmente - um repertório de ações comunitárias e de advocacy que pensaram o seu sujeito coletivo na interface com vários campos dos direitos humanos, a exemplo da saúde, da educação, da cultura e da assistência social.
A atuação da entidade também não se isolou na luta por direitos de LGBTI+ e pela qualidade de vida das pessoas vivendo com HIV/Aids, mas se somou ao debate de temas afins à construção de uma sociedade pautada, de forma mais ampla, no respeito às diferenças e na democracia. A defesa do Sistema Único de Saúde – SUS, da sustentabilidade ambiental, dos direitos dos trabalhadores e o fim do racismo foram algumas das pautas empunhadas pela ONG.
A Parada pela Diversidade Sexual do Ceará talvez seja a ação coletiva do Grupo mais conhecida por quem lê agora esta coluna.
Realizada desde 1999, ela chegará em 2024 à sua 23ª edição, apresentando como tema “Radicalizar para existir; votar para ocupar”. O evento busca chamar atenção para a importância de candidaturas eletivas que representem a pluralidade da sociedade brasileira nos espaços de decisão.
Voltaremos a falar sobre a Parada na próxima coluna. Por hora, friso que convocar à radicalização da luta mostra que o GRAB ainda se mantém necessário na interlocução por direitos, que segue conectado e sobrevivendo - como a ave nordestina que lhe dá nome – à aridez de tempos extremos. Vida longa ao Grupo de Resistência Asa Branca!