Pedro Araújo nunca sentiu que pudesse sonhar em praticar os esportes que gostava de assistir pela televisão. Em Miraíma, no interior do Ceará, sua pele arroxeada por uma cardiopatia congênita refletia no espelho para lembrá-lo que a vida de corredor não era para ele. As viagens, sim. Desde sempre, Pedro pegava um ônibus com sua mãe e percorria três horas até a capital Fortaleza para buscar saúde.
Ele fez a primeira cirurgia do coração quando mal havia completado um mês de idade. Quatro anos depois, um novo procedimento cirúrgico. E assim Pedro seguia a vida, pouco acostumado com a aparência de menino roxo e as limitações que a doença lhe causava. "Meu problema era a transposição das grandes artérias. Nasci com elas invertidas", conta.
Aos 15 anos, veio o maior susto: a insuficiência cardíaca se agravou, e ele desmaiou. Precisou, mais uma vez, viajar três horas até Fortaleza, desta vez numa ambulância. "Quase morri. As médicas falaram que a única alternativa seria o transplante", lembra. Foi aí que o futuro pareceu realidade longínqua, algo que ele só conseguiria recuperar com a solidariedade de outras pessoas.
Pedro soube que precisaria de um novo coração, mas também que precisaria se mudar para Fortaleza e estar a postos caso surgisse um órgão. Chorou porque sua vida mudaria drasticamente já na largada. Como seu estado clínico permitia que esperasse o coração fora do hospital, sua mãe alugou uma casa para viver com ele e os demais filhos. "Foi só o tempo de ajeitar as coisas e vir", diz. O pai vinha à capital a cada 15 dias para visitar a família porque precisava seguir trabalhando em uma fazenda no interior para arcar com as despesas. "Foi um baque pra mim. A saudade do meu pai era muito grande", lembra.
Uma semana depois de ser incluído na lista de transplantes, veio a notícia de que havia um coração disponível e, logo em seguida, a frustração de não poder recebê-lo por conta de uma infecção identificada no doador.
Mas dois meses depois, ele conseguiu um novo coração e fez a cirurgia, em outubro de 2017. Quando viu o sistema brasileiro ser questionado diante da celeridade com a qual o apresentador Faustão conseguiu um coração, Pedro lembrou da própria história. "Salvou a minha vida. É triste ver as pessoas desconfiando do sistema, que é confiável e importante", diz.
O menino que cresceu roxo ganhou um novo coração e a chance de sonhar com o esporte: "O transplante me deu a possibilidade de viver e fazer coisas inimagináveis", diz o jovem de 21 anos, que estuda Administração de Empresas e se dedica a praticar esportes como a corrida. "Sempre gostei de assistir, mas nunca pude praticar. Hoje eu corro e jogo bola", conta. "É uma vida totalmente diferente. O transplante deu qualidade de vida à minha doença. Hoje não tem quem diga que sou transplantado".
Pedro não recorda de ter visto se falar tanto em doação de órgãos e acredita que Faustão, que experimentou a mesma solidariedade que ele, pode ajudar a conscientizar as pessoas. Enquanto a família do apresentador defende mudanças na lei para a doação presumida, Pedro acredita que até lá ainda há um longo caminho com as campanhas de doação.
É preciso informar as pessoas sobre a segurança e seriedade do sistema. Não há chance de seguir com o procedimento antes da constatação da morte encefálica do doador, por exemplo. "Temos que mostrar para a população como é importante doar, como um ato desses pode salvar vidas", diz ele, que também tem se dedicado a dar palestras e compartilhar sua história. Um novo coração para multiplicar a solidariedade.
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