De tanto guardar histórias não contadas nos livros em uma parte de sua casa, o idealizador do Acervo Mucuripe agora luta para adquirir um imóvel e consolidar o museu comunitário num bairro gentrificado da cidade
É em uma pequena casinha azul, fincada entre os elevados prédios do metro quadrado mais caro de Fortaleza, que resiste a memória de um antigo bairro de pescadores. Fotografias, livros e documentos sobre o Mucuripe que já foi duna e riacho guardam uma história que às vezes parece inimaginável no meio do concreto e dos semáforos que agora quase dão até o mar.
Daquela mesma casa azul, saem trilhas para outra história de resistência, que acontece agora e que também conta a memória do Mucuripe. É o passeio organizado pelo idealizador do Acervo Mucuripe, Diego di Paula, para mostrar as riquezas do bairro.
É neste tour com Diego que provamos o dindim de dona Terezinha, vendido a um real, e experimentamos o cuscuz na quenga do coco da Padaria do Bolinha. Conhecemos as vilas do bairro, quase invisíveis na urbe gentrificada. Olhamos com outros olhos para o Mercado dos Peixes, a centenária igreja de São Pedro dos Pescadores, o Riacho Maceió. Conhecemos histórias.
Vai um almoço aí no Ponto da Moqueca? É a melhor moqueca de arraia da cidade, pertinho do campo mais antigo do bairro, o Terra e Mar, lá em cima da escadaria pintada por Pig e Berin.
O passeio termina com uma foto simbólica na fachada da casinha azul, abarrotada de documentos, memória e resistência. O Acervo Mucuripe já não cabe mais em si. É por isso que Diego, o turismólogo que o idealizou, agora sonha em mudar de lugar. Para isso, abriu uma vakinha na internet para arrecadar doações e conseguir uma casa maior. Ele quer continuar contando as histórias que não estão nos livros - e que explicam essa cidade caótica e diversa que se tornou Fortaleza.
"Continuar a fazer um acervo é uma forma de respeito à memória do lugar que tanta gente ajudou a levantar", diz. Na Avenida Álvaro Correia 69 B, bem na divisa dos bairros Mucuripe e Varjota, Diego recebe visitas e realiza palestras há pelo menos sete anos. "Uma casa muito pequena requer organização redobrada em todos os sentidos. A vontade de ter um espaço maior é somente pela necessidade de receber grupos de escolas e pensar um espaço onde mais pessoas possam me ajudar voluntariamente também", explica.
Diego sonha em ampliar a estrutura para um museu comunitário e busca meios para formar sucessores nas próximas gerações. Quer deixar sua casa-museu comunitária como legado. Tudo começou quando ele se tornou turismólogo e passou a se incomodar fortemente com o turismo de sol e praia de Fortaleza. Queria chamar atenção para as riquezas culturais e ambientais de seu bairro, pressionado pela especulação imobiliária.
Depois de uma segunda graduação em artes visuais, Diego tornou-se professor e passou a ensinar sobre memória e direito à cidade. "Isso tem atraído a atenção das pessoas para além das postagens em rede social", conta. É que há uma página no Instagram que traz pequenas pílulas de memórias e histórias do Mucuripe, além do acervo na casinha azul.
Participar do projeto social chamado de Enxame lhe abriu os olhos para a potência de um lugar assim como forma de ensinar um pouco do que foi aprendido sobre o Mucuripe a partir do que ele entendia deste território gigantesco.
"Quanto mais eu pesquisava sozinho e achava difícil entender a história do lugar, mais tive a vontade de guardar coisas e assim formei esse Acervo documental com fotografias analógicas, livros e mais arquivos foram chegando ao longo do tempo", celebra. O sonho agora é outro: ampliar e perseverar para preservar uma memória que é de sua família e da cidade.