A terceira geração do Box 24: 'o Mercado dos Peixes representa o autoconhecimento e a cultura da minha família'
Aos 19 anos, Yorrana abre ostras com o cuidado de preservar a história do sustento familiar enquanto sonha em desbravar o mundo da perícia forense e da escrita de terror
![](/image/contentid/policy:1.3611522:1738177728/yorrana%20mercado%20dos%20peixes.jpg?f=16x9&h=574&w=1020&$p$f$h$w=1c947ad)
É manhã de domingo, e Yorrana Lourenço dos Santos se destaca numa fileira de boxes do Mercado dos Peixes, em Fortaleza, com seus cabelos cor de rosa vibrante. Em uma das mãos, usa uma luva metálica para proteger a pele enquanto abre ostras robustas. “Hoje estão boas e grandes”, ela diz, orgulhosa.
Yorrana tem apenas 19 anos, mas organiza toda a cadeia do microempreendimento que colocou há poucos anos. Aproveita o box do pai para fazer rodar seu próprio negócio de venda de ostras em um dos pontos turísticos da cidade. Com isso, é a terceira geração da família a trabalhar na venda de peixes e frutos do mar, deitando a vista em um dos mais bonitos cartões postais da cidade: a enseada do Mucuripe.
"O mercado dos peixes representa o autoconhecimento e a cultura da minha família", ela diz. Os avós de Yorrana, que trabalhavam com a venda de peixe em Fortim, resolveram migrar para Fortaleza. Fizeram casa no bairro Vicente Pinzon, pertinho da praia, e foram vendo os filhos enveredarem pelo mesmo caminho. Hoje, cerca de cinco irmãos ainda trabalham ali, equilibrando o sempre presente receio de serem retirados do tradicional mercado a cada nova reforma turística na orla.
Veja também
“Meu avô foi um dos fundadores. O sustento da nossa família sempre veio da venda de pescados. Sou a terceira geração que trabalha no box”, diz Yorrana. O avô também era pescador e, portanto, o responsável por levar toda a mercadoria para o único box da família. Quando ele faleceu, a avó decidiu voltar para Fortim e transferiu o negócio aos filhos. Yorrana e pai ficam no atendimento aos clientes no mercado enquanto os tios focam nas entregas da mercadoria para restaurantes em Fortaleza e nas cidades vizinhas.
“O comércio está no sangue da família e vai só passando de geração para geração”, ela diz. Yorrana começou cedo no negócio porque tinha pressa em ter algum dinheiro. Pediu para lhe ensinarem a abrir ostras uma única vez e começou a vender a iguaria em outro box. O pai então lhe perguntou se era isso mesmo que queria, e ela foi trabalhar com ele.
Foi assim que ela chegou para ficar no Box 24: “Meu pai me deu uma saca de ostras para vender e disse que o que eu vendesse era meu, ele não queria nada. Sigo vendendo minhas ostras desde os 13 anos de idade. É o meu microempreendimento”, comemora.
Mas a memória que ronda aquelas quatro ruas do Mercado dos Peixes não é apenas de trabalho. Yorrana conta que, quando criança, gostava de ir até lá comer peixe e camarão enquanto demorava a vista no mar e nas jangadas na companhia de sua mãe.
![Yorrana posa em frente ao mar de Fortaleza](/image/contentid/policy:1.3611519:1738177741/yorrana%20mercado%20dos%20peixes1.jpg?f=default&$p$f=2fc24a7)
Enquanto abre ostras na beira do mar durante o dia e trabalha como jovem aprendiz em um restaurante da cidade à noite, ela sonha em um dia poder pagar um curso de investigação forense e perícia criminal. “Sempre gostei de filmes de terror e de escrever histórias sobre assassinatos, sobre ficção de terror. Quando alguém morria nas histórias, achava muito interessante aquelas pessoas da perícia analisando o corpo, estudando a cena”, conta.
Yorrana não precisa escolher. Quer honrar a história da família no Mercado dos Peixes enquanto busca formas de viabilizar seus próprios sonhos. “Não penso em desistir”, ela diz, convicta. “Pretendo um dia fazer meu curso de perícia e continuar vindo para ajudar meu pai e vender minhas ostras”, completa. É ali que ela também conhece muita gente com quem aprende coisas novas todos os dias. Que inspira-se para escrever e para viver.
No trato com o pescado e no vai-e-vem das ondas do mar, Yorrana constrói a própria história sem abrir mão da cultura que é a base da família. Foi ali, vendendo peixe, que ela descobriu o valor da união. Foi perto dali, brincando de pega-pega e esconde-esconde nos pés do morro Santa Terezinha, que ela aprendeu a amar o Vicente Pinzon.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora
![](/logger/p.gif?a=1.3611518&d=/2.16447/2.246/2.16418/2.16427/2.17108)
![](/logger/p.gif?a=1.3611518&d=/2.16447/2.246/2.16418/2.16427/2.17108)