A força inspiradora de Preta Gil

Preta, aquela que chocou o país por ser ela mesma, demonstrou fortaleza até quando expôs suas fragilidades. Semeou neste mundo lições valiosas para a diversidade e o amor próprio

Escrito por
Beatriz Jucá producaodiario@svm.com.br
Legenda: Cantora Preta Gil durante apresentação musical em Fortaleza
Foto: JL Rosa

Quem, assim como eu, se encantou com a série sobre a família Gil viu Preta Gil subir nos palcos com a força de uma gigante. Dizia ser preta, gorda, bissexual e filha do imortal. Aquela mulher, que chocou a sociedade por ser ela mesma, deixou este mundo após um longo tratamento oncológico. Foram cerca de dois anos com tanta vontade de viver que tornou a sua morte, ao final de uma jornada de luta e vida, ainda mais trágica para milhares de brasileiros.

Em tempos de vidas emplastificadas nas redes sociais, Preta abriu sua dor e sua vulnerabilidade diante da doença ao público. Compartilhou a dor, a força, a coragem, o último banho de mar em Salvador, a última canção com o pai nos palcos.

Criou um ímã de humanidade, e aproximou ainda mais gente solidária. Morreu simbolicamente no dia do amigo, cercada por vários deles em outro país, enquanto buscava uma cura difícil, mas na qual sempre confiou.

Preta sempre cantou a coragem. Não baixou a cabeça para o câncer nunca, tanto que se surpreendeu quando o pai Gilberto Gil, num ato de amor descomunal durante uma fase crítica do tratamento, lhe disse: “Se tiver muito pesado para você, vai”.

A compreensão e a humildade diante da finitude da vida foi um conselho e tanto para Preta, que seguiu movida por uma incrível vontade de viver e contou a história com respeito e risada algumas entrevistas depois.

Preta partiu, mas demonstrou fortaleza até mesmo quando expôs suas fragilidades. Semeou neste mundo lições valiosas. Com seus sinais de fogo, virou referência para toda uma comunidade diversa. Assumiu do corpo real à bolsa de colostomia.

Na série que mencionei no início, disse que cresceu em um ambiente tão diverso que só foi descobrir que existia preconceito muito longe dos muros de sua casa.

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Se em algum momento foi um susto quando se viu rotulada como preta, gorda e bissexual, usou a surpresa como combustível de luta. E empoderou muita gente no caminho.

“Valeu a pena toda pedra que eu recebi, porque hoje eu vejo um monte de mulheres e de pessoas se libertando de rótulos”, disse a cantora, em uma entrevista à Universa UOL, em 2022. Aprendeu a se amar ainda mais por empoderar outras mulheres, outras pessoas
.

Mas a beleza da vida também mora nos detalhes, e talvez uma das maiores lições seja ver como Preta foi construindo laços e levantando gente com generosidade.

De Pabllo Vittar a Oruam, as palavras de agradecimento a ela ecoam forte e tornam pó as declarações de ódio que insistem em sair do esgoto das redes sociais. Não vale nem mencionar.

Preta é luz como artista, mas é também inspiração na ousadia que é ser você mesma em uma sociedade machista e conservadora como a nossa. Nas lutas pelo que se acredita e nas lições para abraçar as diversidades.

É também inspiração de coragem e resiliência. "Eu sempre aceitei, desde o dia um. Nunca me revoltei, nunca me deprimi, nunca”, disse ela, numa retomada aos palcos algum tempo depois da descoberta da doença.

"Obviamente que tenho meus momentos, mas não reclamo de nada, desde ter que passar uma sonda no nariz, que não é nada fácil, tomar cinco injeções por dia ou fazer três tomografias no dia. Eu faço tudo, porque sei que estou num hospital muito bom, com a melhor equipe que eu poderia ter".

Preta, uma mulher real, se vai. Aqui ficam muitas outras inspiradas por ela. Que o legado seja sermos nós mesmas. Sem rótulos. Apenas nós.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora

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