O curioso caso dos bebês reborn
Febre envolvendo bonecos hiper-realistas nas redes sociais amplia críticas às mulheres, vira meme de órgãos públicos e ganha espaço no Congresso Nacional

É difícil zapear a “for you” do Tik Tok e não dar de cara com os bebês reborn. Os bonecos hiper-realistas viralizam nas redes sociais nas últimas semanas. Na rolagem infinita do aplicativo, vemos mulheres trocando fraldas e dando mamadeira a bonecos muito semelhantes a recém-nascidos. A encenação para gerar engajamento pode envolver levar os bonecos ao médico ou até simular partos. E tem funcionado.
A resposta rápida dos mais críticos tem sido apontar o dedo para essas mulheres e chamá-las de “loucas”. Não estamos falando aqui de possíveis casos de perda de conexão com a realidade, mas de dezenas de mulheres que escolheram um hobby ou mesmo escolheram a febre por engajamento.
Dito isso, vale uma reflexão. Normalizamos que homens adultos tenham fixação em jogar videogame ou brincar com suas coleções de carros e super-herois, mas parecemos nos desorganizar ao ver mulheres, socialmente trabalhadas para amadurecer rápido, infantilizadas pela brincadeira com as bonecas hiper-reais. Faz sentido?
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Neste incômodo com os dedos em riste nas redes que colocam essas mulheres no balaio das loucas, cabe críticas. As centenas de vídeos das mães de bebês reborn podem parecer um desserviço para quem nada na contracorrente do silenciamento para exaltar a maternidade real, falha, humana.
As piadinhas das “pessoas reborn” já estão por toda parte. Num dia exaustivo, ouvi de uma colega: “Quisera eu trabalhar numa creche de bebê reborn”. Órgãos públicos estão entrando na onda, abraçando o meme para fazer marketing. A Prefeitura de Curitiba postou nos últimos dias: “Prefs alerta (mas com carinho). A gente entende o apego, mas os bancos preferenciais são para públicos prioritários”. A Prefeitura de Fortaleza anunciou: “Precisa-se de pediatra para bebê reborn. Calma, gente, essa vaga não está aberta".
Todo mundo ri, mas há questões reais e importantes para pensarmos diante do curioso caso dos bebês reborn. É preciso sairmos do caminho da culpabilização das mulheres. É preciso parar de romantizar a maternidade. E chamar a sociedade à responsabilidade em relação à modinha.
Pois bem: é fato que os bebês reborn chegaram ao Congresso Nacional. Há projetos de lei para proibir o atendimento de bonecos por profissionais de saúde ou servidores públicos e para proibir o uso de filas preferenciais sob o argumento de que está acompanhada de bebês reborn. Um terceiro traz acolhimento psicossocial para pessoas que criaram vínculo intenso com os bonecos.
Em uma das pontas da história, estão dezenas de mulheres que dizem apenas apreciar a arte hiper-realista. O trabalho das cegonhas, como são chamadas as artesãs que criam os bebês reborn, pode chegar a 10 mil reais por boneco no Brasil. Dia a dia, a polêmica cresce nas redes sociais, ancorada entre a curiosidade, alguma possibilidade de desconexão real da realidade e o machismo nosso de cada dia.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora