Octávio Santiago mostra o Brasil que adora o Nordeste, mas detesta o nordestino
Jornalista potiguar fala de preconceito e apagamento no livro “Só Sei Que Foi Assim: A Trama do Preconceito Contra o Povo do Nordeste”

Grande parte dos nordestinos que cruzaram as linhas imaginárias do mapa rumo ao sul e sudeste do Brasil, há de ter uma história de preconceito para contar. Às vezes, o relato vem com elogios exagerados aos sotaques ou surpresa descabida por ver nordestinos construindo e realizando grandes feitos. Lembro de ouvir de uma fonte, durante uma entrevista jornalística realizada no interior de São Paulo: “Tenho uma amiga que é da Bahia, mas é tão inteligente”. Melhor nem perguntar o que ela quis dizer com isso.
Anos depois, vi muito sudestino reverenciar o Nordeste no lugar da recreação e planejar inúmeras férias e feriados para as praias dos estados da nossa região. Passei três anos de home office, como jornalista independente e PJ, ouvindo de parceiros do outro lado do País: “Que delícia morar no Nordeste né? Ir à praia todo dia".
A sensação, para nós, pode ser bem desagradável com tantos clichês e preconceitos disfarçados. O jornalista potiguar Octávio Santiago parece resumir bem o que acontece: “O Brasil adora o Nordeste, mas detesta o nordestino”. Nos últimos dias, ele lançou o livro “Só Sei Que Foi Assim: A Trama do Preconceito Contra o Povo do Nordeste”, pela editora Autêntica, para falar justamente sobre preconceitos e apagamentos contra nordestinos no Brasil.
O trabalho, fruto de sua tese de doutorado, aponta que o Brasil consome a estética nordestina, mas rejeita quem a produz. O Nordeste é cool. Belchior toca em todo canto. O sotaque, eles dizem, é lindo. A cultura parece até bem-vinda, mas o nordestino nem tanto.
No livro, Octávio reconstrói o preconceito regional como parte de um projeto de exclusão. Ele fala de um apagamento intencional e de um discurso político e midiático que historicamente dividiu o Brasil no país que avança e o que atrasa.
Para ele, enquanto o Nordeste for enlatado como um só, seguirão acontecendo erros graves de representação. Isso foi, aliás, estratégico em um projeto de poder político para fazer com que as elites do Sul vivessem o protagonismo que antes era das elites nordestinas e evitassem que estas retornassem ao poder.
E assim as novelas foram ganhando um sotaque único, ignorando a diversidade de nove estados. Para quebrar o preconceito, nordestinos migrantes no Sudeste passaram a falar dos “sudestinos”. Segundo o jornalista disse em entrevista à BBC, dizer “eu sou nordestino, e você é sudestino” não faz sentido se for para combater um preconceito devolvendo com algum tipo de preconceito.
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“O que parece ser a boia de salvação”, ele diz, “é mesmo que as pessoas parem e percebam que o fato de Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo serem vizinhos não faz deles seguidores de uma mesma cartilha sociocultural, não faz com que haja uma unidade que seja capaz de reduzi-los”.
O termo sudestino serve, segundo Octávio, para mostrar ao resto do Brasil como é muito difícil reduzir uma população plural sob um único guarda-chuva. Abrir mão dos rótulos é também ir contra os preconceitos.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora