O empreendedorismo urbano é a concepção segundo a qual o eleito assume o papel de CEO, seu objetivo maior é “vender a cidade” e atrair investimentos privados
Legenda:
A recente concessão de dois espigões situados na orla marítima de Fortaleza são um bom estudo de caso
Muitos gestores públicos acreditam fielmente na incapacidade pública em gerir uma cidade de maneira eficiente. Poxa! Aqui nos deparamos com uma constatação das mais contraditórias? Teórica e pragmaticamente, a resposta é não.
Paira, desde os anos 1980, na escala mundo, o entendimento de que cidades podem ser conduzidas como se fossem empresas privadas e que seus governantes seriam verdadeiramente hábeis à medida que promovessem o empreendedorismo urbano.
O empreendedorismo urbano é a concepção segundo a qual o eleito assume o papel de CEO, seu objetivo maior é “vender a cidade” e atrair investimentos privados. A arena política perde força em detrimento das metas econômicas da urbe. Nesse contexto, as cidades entram em guerra, “a guerra dos lugares”, sempre na intenção de mostrarem-se mais competitivas em relação às concorrentes.
É óbvia a necessidade de uma cidade colocar-se economicamente forte, capaz de apresentar-se com infraestruturas físicas e condições sociais suficientemente contemporâneas e básicas à realização dos negócios. O que ponho em discussão é o limite social e político de ações a aproximarem o público ao interesse econômico privado.
A recente concessão de dois espigões situados na orla marítima de Fortaleza são um bom estudo de caso. As matérias jornalísticas divulgaram o acordo feito entre a prefeitura municipal e um consórcio empresarial local que ganhou um edital público. O noticiário, marcado pelo otimismo da novidade, abdicou-se de estabelecer uma leitura crítica da situação.
O porém que lanço não se assenta no processo legal da operação, posto me parecer nas conformidades da legislação. A discussão caminha para a dimensão da supressão do gratuito aproveitamento dos espaços públicos urbanos.
Dado o seu tamanho territorial e demográfico, Fortaleza é carente de espaços públicos. Nesse contexto, é inquestionável dizer que a orla marítima é um dos poucos a oferecer diversidade de atrativos públicos e gratuitos à população. Essa inclusive é uma das justificativas aceitas para o uso de milhões de reais na sua constante remodelação.
Sendo os “espigões” dominados por projeto de remodelação privado, temos a certeza de que a condição pública do espaço tende a fragilizar-se frente às intenções comerciais dos investidores. Como qualquer plano de negócio, todas as novas infraestruturas cobrarão pelo usufruto. E os que não podem pagar? Ficarão alijados daqueles espaços? Serão segregados a outras áreas de menor qualidade?
Os otimistas até podem contra-argumentar: 1) é uma pequena área da orla, não faz diferença; 2) são espaços abandonados e mal cuidados; 3) a cidade deve se preocupar com saúde e educação; 4) vai atrair turistas e gerar emprego e renda.
Legenda:
O problema das concessões dos espaços públicos com fins estritamente econômicos reside na consequente limitação do uso mediante a condição de renda dos usuários
Foto:
Thiago Gadelha
O problema das concessões dos espaços públicos com fins estritamente econômicos reside na consequente limitação do uso mediante a condição de renda dos usuários. Este custo nunca é calculado pelos economistas ou gestores públicos. Pensem comigo: se todos os espaços atrativos, via de regra, construídos por recursos municipais, forem oferecidos aos negócios comerciais, o que sobrará de qualidade para os habitantes mais pobres de Fortaleza?
Diante de tantas barreiras simbólicas e de mobilidade urbana, a privatização da orla é um retrocesso democrático. Na beira-mar existe número suficiente de empreendimentos privados pequenos e grandes. Em complementação, há muitas áreas privadas nas quais negócios e inovações podem ser constituídas para quem pode pagar.
Difícil é normalizar a inversão de prioridades e negar a essência dos espaços públicos. Parece-me que querem naturalizar a falsa máxima: “só é bom o que é particular e se paga caro!”