O uso da força e da violência na resolução de conflitos

Conscientização de cada indivíduo contribui para o fortalecimento ou a ruptura do ciclo de violência

Escrito por
Adalberto Barreto producaodiario@svm.com.br
Legenda: A violência institucionalizada e a banalização da morte indicam um adoecimento social profundo, onde o medo e a insegurança tomam conta do cotidiano.
Foto: Tomaz Silva /Agência Brasil.

A forma como lidamos com conflitos revela muito sobre os valores que orientam nossa sociedade. O uso da força e da violência, seja em contextos familiares, sociais ou internacionais, é uma escolha que traz consequências profundas e duradouras.

Embora intervenções enérgicas possam, em alguns casos, solucionar problemas pontuais e garantir uma ordem aparente, é fundamental refletir sobre os impactos dessas decisões a longo prazo, especialmente no que diz respeito à perpetuação de ciclos de intolerância e violência.

Os acontecimentos recentes de uma megaoperação da polícia contra uma facção no Rio de Janeiro, como a morte de 121 pessoas, não devem ser somente considerados números ou casos isolados. Eles mostram uma situação social generalizada onde o enfrentamento pelo uso da força tem sido uma constante preocupante.

A violência institucionalizada e a banalização da morte indicam um adoecimento social profundo, onde o medo e a insegurança tomam conta do cotidiano.

Sem politizar os fatos, é possível aprender que a transformação começa pela conscientização de que cada escolha, por menor que seja, contribui para o fortalecimento ou ruptura desse ciclo. Reconhecer o impacto da violência em nossas relações, buscar alternativas de resolução pacífica e valorizar o respeito à vida são passos essenciais para romper com esse paradigma e promover uma cultura de paz que beneficie o coletivo.

Dilema entre força e diálogo

O enfrentamento pela força, em detrimento do diálogo, está presente em todas as esferas das relações humanas — das discussões familiares aos conflitos entre nações. Em situações cotidianas, como desentendimentos familiares, a escolha pela agressão verbal ou física, em vez da comunicação, cria ambientes hostis e perpetua o ciclo de violência.

Por outro lado, famílias e grupos que priorizam o respeito e a escuta conseguem superar divergências de forma construtiva, fortalecendo os laços afetivos e promovendo o entendimento mútuo.

No cenário global, guerras, disputas políticas e, mais recentemente, guerras entre facções presentes em todo o território brasileiro, frequentemente se justificam pela defesa de interesses econômicos ou defesas territoriais, mas acabam por legitimar práticas de enfrentamento pela bala, pela violência, dificultando a construção de soluções coletivas e saudáveis para o convívio com as diferenças. 

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Valores éticos em transformação

Historicamente, valores como respeito ao próximo, busca pela justiça, solidariedade e valorização do diálogo atuavam como freios ao uso indiscriminado da força. A ética humanista promovia a resolução pacífica dos conflitos e reconhecia a dignidade de cada indivíduo, independentemente das diferenças. Contudo, observa-se atualmente uma mudança significativa nos valores que orientam as relações interpessoais e sociais.

O individualismo, a competitividade exacerbada e o desejo de exercer domínio sobre os outros muitas vezes justificam o uso da força.

Princípios de cooperação e respeito mútuo são deixados de lado, legitimando comportamentos violentos tanto em pequenos desentendimentos quanto em grandes disputas políticas e econômicas. Assim, convivem duas correntes opostas: uma que prioriza o diálogo, a empatia e a busca por soluções justas; e outra que recorre à imposição, à intimidação e à negação do outro como sujeito.

Consequências do uso da violência

Close-up de uma pessoa com a mão sendo segurada com força por outra, sugerindo uma situação de violência ou agressão. A cena é tensa e mostra apenas as mãos e parte do cabelo da vítima, deitada no chão.
Legenda: Escolher a agressão verbal ou física, em vez da comunicação, pode resultar em ambientes hostis e perpetuar o ciclo de violência.
Foto: Shutterstock

O uso recorrente da força traz impactos negativos significativos, como a perpetuação de ciclos de intolerância, traumas coletivos que afetam gerações futuras e o enfraquecimento de valores essenciais para a convivência, como respeito, justiça e solidariedade. Ambientes marcados pela violência tendem a ser hostis, dificultando o desenvolvimento de soluções coletivas e saudáveis.

No âmbito individual, comportamentos antiéticos podem gerar sentimentos de culpa, isolamento, baixa autoestima e dificuldades para estabelecer relações de confiança. Socialmente, favorecem a rejeição, conflitos recorrentes e ambientes de desconfiança e intolerância, prejudicando a construção de vínculos saudáveis.

Em casos como o envolvimento com drogas e ambientes de risco, pode haver dessensibilização emocional e diminuição da empatia, dificultando o desenvolvimento do arrependimento e da consciência sobre o mal causado. As consequências psíquicas incluem ansiedade, depressão, estresse e dificuldades para lidar com emoções, agravando ainda mais os prejuízos à saúde mental e à qualidade de vida.

Caminhos para a superação

Grupo de pessoas se abraçando
Legenda: Há uma série de passos a serem seguidos e princípios a serem mantidos e renovados se desejamos a sobrevivência como sociedade e construir uma cultura de paz
Foto: Freepik

Superar a cultura da violência exige uma transformação profunda nos ambientes de convivência, especialmente na família, na escola e nos templos religiosos. Promover espaços de diálogo aberto, onde as diferenças possam ser acolhidas de forma construtiva, é fundamental para evitar a escalada dos conflitos.

A educação voltada para valores humanistas e para o desenvolvimento da inteligência emocional fortalece a capacidade dos indivíduos de lidar com divergências sem recorrer à força. Práticas como a Terapia Comunitária Integrativa, rodas de conversa e mediação de conflitos em ambientes escolares são exemplos eficazes de promoção do diálogo e da empatia.

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Nessas experiências, os envolvidos podem expressar sentimentos, compreender o impacto de suas ações e buscar soluções pacíficas, rompendo o ciclo da violência e promovendo o aprendizado coletivo. O envolvimento conjunto de família, igrejas e escola é essencial para formar indivíduos mais conscientes, tolerantes e preparados para enfrentar as diferenças de maneira construtiva. 

E qual o papel da espiritualidade, das políticas públicas e da escola na construção de uma cultura de paz? A espiritualidade, quando dissociada de dogmas excludentes e aberta ao acolhimento, pode ser uma poderosa aliada na superação da violência e da intolerância.

Ela estimula valores universais como compaixão, empatia, perdão e respeito às diferenças, promovendo a compreensão de que todos compartilham uma mesma humanidade. No entanto, é importante reconhecer que discursos religiosos intolerantes podem aprofundar divisões e legitimar comportamentos violentos. A espiritualidade autêntica incentiva o amor ao próximo, o diálogo e o autoconhecimento, contribuindo para ambientes mais inclusivos e respeitosos.

A escola desempenha papel fundamental nesse processo, atuando como espaço de formação ética e cidadã. Ao promover o diálogo aberto, o respeito mútuo e a valorização da diversidade, a escola contribui para a prevenção de comportamentos violentos e para o desenvolvimento de habilidades socioemocionais.

Um exemplo prático desse dilema pode ser observado em situações de bullying escolar. Quando um estudante sofre agressões físicas ou verbais, muitas vezes a resposta inicial pode ser revidar, perpetuando o ciclo de violência.

Por outro lado, em escolas que promovem rodas de terapia comunitária integrativa, a mediação de conflitos, o diálogo é incentivado como alternativa, permitindo que os envolvidos expressem seus sentimentos e compreendam o impacto de suas ações, resultando em soluções pacíficas e em aprendizado coletivo, que estimulem o trabalho em equipe e o respeito às diversidades, são estratégias eficazes.

Além disso, professores e gestores podem capacitar os alunos para reconhecer sentimentos, lidar com frustrações e buscar soluções coletivas, fortalecendo o senso de pertencimento e cooperação. Educação para valores humanistas fortalece a capacidade dos estudantes de lidar com divergências de forma construtiva, rompendo o ciclo da violência e favorecendo o aprendizado coletivo.

Políticas públicas integradas também são essenciais para transformar ambientes violentos e fortalecer uma cultura de paz. Exemplos práticos incluem:

  • Justiça restaurativa: programas que promovem o diálogo entre vítimas e agressores, buscando a reparação dos danos e a reintegração social, em vez de somente punição;
  • Acolhimento das vítimas: criação de centros de apoio psicológico e jurídico para vítimas de violência, garantindo proteção e suporte para reconstrução da vida;
  • Reabilitação dos agressores: implementação de projetos de ressocialização, como grupos reflexivos e acompanhamento psicológico, para evitar a reincidência da violência;
  • Mediação comunitária: espaços públicos onde conflitos podem ser resolvidos por meio do diálogo, com a participação de mediadores capacitados;
  • Campanhas educativas: ações de conscientização em escolas, comunidades e meios de comunicação sobre a importância do respeito, da tolerância e da resolução pacífica de conflitos;

Também existem os projetos sociais de inclusão, iniciativas que promovem o acesso à educação, cultura, esporte e lazer, fortalecendo vínculos comunitários e prevenindo situações de risco. Essas iniciativas, articuladas entre diferentes setores da sociedade, promovem o respeito mútuo, a valorização da diversidade e o senso de pertencimento, criando oportunidades para que diferentes vozes sejam ouvidas e para os conflitos serem resolvidos de maneira construtiva.

E, por último, quero destacar as Rodas de Terapia Comunitária Integrativa, única prática integrativa genuinamente brasileira, já presente no SUS. A terapia comunitária integrativa tem contribuído para a prevenção da violência ao criar espaços seguros de escuta e diálogo, onde os participantes podem compartilhar sentimentos, dificuldades e estratégias de superação.

Essa prática fortalece o apoio mútuo, promove a empatia e o respeito às diferenças, ajudando a romper ciclos de intolerância e agressividade. Ao estimular a expressão saudável das emoções e o entendimento coletivo, a terapia comunitária integrativa favorece a construção de vínculos mais saudáveis e relações pacíficas, reduzindo fatores de risco associados à violência.

O Ministério da Saúde disponibiliza o Manual de Implantação de Serviços de Práticas Integrativas e Complementares no SUS. O documento apresenta diretrizes para gestores, profissionais de saúde e equipes da Atenção Primária sobre como planejar, organizar e ofertar práticas de Terapia Comunitária nas unidades do SUS. 

Enfim, buscar alternativas pacíficas, que priorizem o diálogo e a cooperação, contribui para a construção de sociedades mais justas, seguras e preparadas para lidar com desafios complexos sem recorrer à força. O resgate de valores éticos como respeito, solidariedade e diálogo abre caminhos para alternativas menos destrutivas e mais humanas.

Cabe a cada indivíduo e coletivo escolher entre perpetuar comportamentos violentos ou investir na ética do cuidado e da escuta, promovendo a convivência pacífica e o desenvolvimento social.