Como sofrer sem perder a esperança?

Na terapia comunitária integrativa, a palavra é o remédio, o bálsamo, a bússola para quem fala e para quem ouve

Legenda: Santo Agostinho já afirmava que as grandes mudanças na vida são frequentemente fruto de um grande amor ou de uma grande dor
Foto: Shutterstock

Sim, é possível transitar pela dor e pelo sofrimento sem perder a esperança. Apesar de momentos difíceis parecerem insuportáveis, diversas pessoas encontram maneiras de lidar com esses sentimentos construtivamente. A dor e o sofrimento estão presentes na história da humanidade e são uma parte inevitável da experiência humana. Dores individuais como a perda de um familiar e dores coletivas ocasionadas pelo exílio de populações, da escravidão imposta aos negros e do genocídio comandado pelo fascismo. 

A aceitação de que a dor e a decepção fazem parte do caminhar humano e que as emoções, por mais intensas que sejam, são temporárias pode nos ajudar a desenvolver uma maior tolerância, tanto para conosco quanto para com os outros. A dor, muitas vezes, nos leva a refletir sobre nossas vidas, nossas escolhas e nosso destino.

Veja também

Santo Agostinho já afirmava que as grandes mudanças na vida são frequentemente fruto de um grande amor ou de uma grande dor. É justamente por meio do sofrimento que muitas pessoas percebem que sua vida e a vida de muitos poderiam ser diferentes e decidem buscar uma transformação pessoal e lutar por transformações sociais.

Geralmente, a verdadeira amizade começa depois de uma decepção. Antes, cada um usava uma máscara e, quando ela cai, os dois se encontram face a face e descobrem a verdadeira aparência do outro, com suas cicatrizes ou feridas abertas. E agora que as máscaras caíram, posso encerrar aquela amizade e dizer: desculpe, mas não quero mais manter a nossa amizade, ou aceitar as minhas limitações e as limitações do outro e dizer: agora que conhecemos nossas fragilidades e carências, eu me aceito como sou, te aceito como você é e seremos companheiros na vida.

Se não fossem os conflitos e desentendimentos e, graças à reflexão e à autoanalise, jamais descobriríamos novas forças em nós que não sabíamos existirem. Em momentos de muita dor e sofrimento, não se toma decisões, pois estamos mais reagindo aos eventos do que agindo sobre eles.

Buscar apoio emocional é fundamental durante momentos difíceis. Conversar com amigos, familiares ou profissionais de saúde pode trazer alívio e uma nova perspectiva sobre a situação. Compartilhar nossas lutas e desafios não apenas diminui a sensação de isolamento, mas também nos lembra de que não estamos sozinhos em nossa dor. O apoio social é um fator crucial para manter a esperança, pois nos conecta com outras pessoas que podem oferecer empatia e compreensão.

Legenda: As terapias comunitárias integrativas (TCI) são espaço para expressar nossas inquietações e superar desafios
Foto: FABIANE DE PAULA

Essa foi a base para a criação da terapia comunitária integrativa (TCI). Que é um espaço para expressar nossas inquietações e superar desafios. Ao compartilhar nossas dificuldades e inquietações, podemos dar visibilidade ao sofrimento, redimensionar sua dor e descobrir que a sua dor é a dor de muitos. Sair do sentimento de solidão e descobrir possibilidades de inserção. Evidenciar os recursos sócio-culturais disponíveis na rede relacional. Passamos a aprender a pensar juntos, a ampliar o repertório de possibilidades e a construir, juntos, uma comunidade mais participativa e democrática.

Na terapia comunitária integrativa, a palavra é o remédio, o bálsamo, a bússola para quem fala e para quem ouve. É através da troca de experiências que as pessoas conseguem aliviar o sofrimento das dores e ver novas formas de superar os seus problemas. A comunidade torna-se espaço de acolhimento e de cuidado.  A experiência do outro me alimenta como pessoa, me permitindo reconhecer que tenho algo a oferecer e tenho algo a aprender.

O que é dito pelas outras pessoas ressoa em mim. Vou descobrindo o valor de se estender a mão ao outro. Cuidando do outro, estou cuidando de mim mesmo. Eu me beneficio das experiências do outro, vou aprendendo com os outros. Vou me curando de todo tipo de alienação, aceitando sair de uma posição de superioridade, daquele que tem e sabe, para aquele que não tem tudo e precisa aprender com o outro.

A oportunidade de falar de si, de suas inquietações e sofrimentos, daquilo que tira o sono, faz com que os outros se identifiquem, percebam sua humanidade e seus limites, mas também identifiquem seu potencial e suas competências. Dessa forma, é iniciada a construção de redes de solidariedade e de corresponsabilidade, de onde surge um NÓS coletivo, mais humanizado, composto de muitos EUS conscientes, que responde pela força transformadora da TCI, que retoma com força logo depois do término da roda.

São recursos valiosos que precisam ser reconhecidos e valorizados em todo programa de prevenção, reinserção e encaminhamento para a rede social. Quando uma pessoa reconhece no outro-vizinho, amigo-um recurso com o qual pode contar, ela torna-se menos dependente das instituições, menos oprimida pelos próprios problemas e, consequentemente, mais autônoma.

Além disso, praticar a gratidão, mesmo em meio ao sofrimento, pode ser uma ferramenta poderosa. Focar nas pequenas coisas que trazem alegria e conforto, como um momento de tranquilidade, um gesto amável ou uma lembrança positiva, pode mudar o foco da dor para os aspectos positivos da vida. Estudos demonstram que a prática da gratidão tem benefícios psicológicos significativos, ajudando a desenvolver uma mentalidade mais positiva e resiliente.

Encontrar prazer nas pequenas coisas

A definição de metas pequenas e alcançáveis também pode ser útil. Ao invés de se sentir sobrecarregado pelo tamanho da dor, estabelecer passos pequenos e realizáveis pode trazer um senso de propósito e movimento. Cada pequena conquista pode alimentar a esperança e a motivação para continuar avançando.

Finalmente, encontrar atividades que tragam prazer, como a prática de lazer ou voluntariado, pode contribuir para a manutenção da esperança. Essas experiências positivas servem como lembretes de que, mesmo em tempos adversos, a vida ainda pode oferecer momentos de alegria e satisfação. Encontrar prazer nas pequenas coisas é um antídoto poderoso contra a desesperança.

Embora a dor e o sofrimento sejam partes inevitáveis da vida, é possível navegar por essas experiências sem perder a esperança. Com o apoio emocional, a prática da gratidão, a definição de metas e o envolvimento em atividades significativas, denunciando, reivindicando e mobilizando a comunidade, é possível manter a chama da esperança viva, mesmo em situações adversas.

Sempre surge esperança quando sou escutado, apoiado e cuidado. Ou seja, quando um grupo me acolhe, emerge a esperança. Quando deixo de ser invisível, encontro o meu lugar e sinto que sou parte de uma comunidade. Nada mais traz esperança do que a solidariedade, a união com o respeito, buscar ajuda, não desistir. Acolher, cuidar, cantar, celebrar é uma maneira de contrapor as dores e ruídos dos contextos desagregadores e conflitivos.

Considerando que, no mundo atual, o normal é a violência, os conflitos, criemos espaços “anormais” que acolhem, cuidam, plantam sementes de esperança. Multipliquemos esses territórios, espaços geradores de esperança, paz e bem-estar para todos. A solidariedade é uma força transformadora que deve ser cultivada durante períodos de sofrimento. Quando nos unimos e acolhemos as dificuldades uns dos outros, criamos um espaço seguro onde a esperança pode florescer.

A construção de comunidades acolhedoras e solidárias é essencial para que cada indivíduo se sinta parte de algo maior, promovendo um ambiente de apoio e cuidado mútuo. Nutrir a esperança passa também por não esquecer os fatores que trouxeram sofrimento e dor ao longo de nossas vidas e da história da humanidade.

Precisamos alertar para os perigos do retorno de regimes fascistas que criaram o holocausto e restringiram a liberdade; de economias predatórias que destroem nossas florestas e recursos culturais, gerando dependências e ampliando o sofrimento e a exclusão de populações inteiras; da disseminação da cultura da intolerância e do ódio, como empecilho à reflexão e às mudanças necessárias.

Só a solidariedade salva e desperta a esperança. Nenhum ser humano se salva sozinho. É pela consciência do outro, da alteridade que descobrimos que somos capazes, que podemos, apesar das tempestades da vida.

Para finalizar, gostaria de terminar com uma poesia de Antonio Carlos Vieira sobre a Pedra. “O distraído nela tropeçou. O bruto a usou como projétil. O empreendedor, usando-a, construiu. O camponês, cansado da lida, nela repousou. Para os meninos, foi brinquedo. Drumond a poetizou. Já David matou Golias e Michelangelo extraiu-lhe a mais bela escultura… E nestes casos, a diferença não esteve na pedra, mas no homem. Não existe pedra no seu caminho que você não possa aproveitar para o seu próprio crescimento. Cada instante que passa é uma gota de vida que não volta mais a cair, aproveite cada gota para evoluir. Das oportunidades saiba tirar o melhor proveito, talvez não teremos outra chance”. 

Este conteúdo é útil para você?


Assuntos Relacionados