Por uma cultura de paz

O grande desafio é como lidar com as divergências de ideias e opiniões através do diálogo e do entendimento

Legenda: Há uma série de passos a serem seguidos e princípios a serem mantidos e renovados se desejamos a sobrevivência como sociedade e construir uma cultura de paz
Foto: Freepik

As palavras edificam, enquanto os exemplos destroem. Esta é uma das máximas da tradição educacional. Como ensinar nossos filhos sem sermos incoerentes, lembrar e exigir valores que nós mesmos não observamos? Como fica a cabeça destas crianças vendo e ouvindo contradições flagrantes? Na educação para conformar, usa-se a força, o medo e a punição exemplar. Não há espaço para conversar, discutir e fazer perguntas.

No passado, os negros escravos que se insurgiam contra os maus tratos da escravidão eram punidos em praça pública, para deixar claro que o poder político da época não aceitava a insubordinação de seus escravos. Eles tinham que se conformar com a lei estabelecida pelo patrão. No estado da Bahia, o Pelourinho é um símbolo dessa época. O chicote, o castigo, a palmatória e o puxão de orelhas tinham um propósito prático. Hoje, esse rigor do período colonial está sendo aplicado pelas facções e pelas milícias em todo o território nacional.

Aqueles que não respeitam as fronteiras do território vizinho, que não seguem os comandos do chefe, podem ser severamente punidos, seja com uma surra de ripa, uma mão furada ou o seu corpo decapitado. A crueldade é filmada e divulgada nas redes sociais, servindo de exemplo para aqueles que ousam desafiar as regras impostas pelos chefes. Os tempos são outros, mas a filosofia permanece a mesma. O ditado popular diz que “peia não é santa, mas faz milagres”.

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A utilização da violência para impor obediência, corrigir e educar não é mais aceita na nossa sociedade. Torna-se cada vez mais difícil exigir dos nossos filhos o que não praticamos. As leis foram criadas a fim de assegurar a convivência pacífica entre as pessoas. Em nome da convivência pacífica, todos devem estar sujeitos à lei. Não é possível ensinar com dois pesos e duas medidas. Quando a criança percebe que a lei é injusta e tem como objetivo proteger privilégios e interesses particulares em vez de permitir a boa convivência, ela as transgride e ataca com veemência. A convivência pacífica torna-se cada vez mais difícil.

Quando a lei não é cumprida, a impunidade incentiva e fortalece comportamentos abusivos, agressivos e repetidos. Dessa forma, compreendemos o clima de insegurança, caracterizado por violências cada vez mais absurdas. Extrapolam o âmbito familiar, atingem o coletivo, destroem pontes que nos permitem circular, ir e vir em paz e segurança. Dessa forma, é possível compreender a violência nas instituições de ensino e universidades americanas. As cabeças pensantes percebem as incoerências dos governantes, que defendem a liberdade e os direitos humanos universais, mas, na realidade, estão a serviço de uma economia bélica lucrativa.

Os conflitos que surgem da convivência com as diferenças devem ser resolvidos com diálogo e respeito às leis universais. A guerra, o conflito armado, é o retorno à barbárie, à lei da selva, onde a única regra é o uso da força e da violência destruidora. Os governantes poderosos agem desta forma. Está sendo assim na guerra da Rússia contra a Ucrânia, está sendo agora com a guerra do Governo israelense contra os palestinos. As nações utilizam suas forças para impor suas vontades e proteger seus interesses. Nos conflitos entre casais, o feminicídio é uma violência que não é aceitável hoje em dia.

O grande desafio é como lidar com as divergências de ideias e opiniões, através do diálogo e do entendimento. A força que deve prevalecer é a força dos argumentos que se baseiam em valores inegociáveis.

Deveríamos ter um STF ativo em cada um de nós, ter um Alexandre de Moraes atento, exigente com leis que protegem o bem comum. Sermos muitas vezes severos e exigentes consigo mesmos, questionando, analisando e criando novas leis que salvaguardem o convívio respeitoso com a diversidade. Os tempos modernos requerem novas normas e princípios.

Se o progresso tecnológico da humanidade não for seguido com novas leis para assegurar a convivência pacífica, a lei da selva volta com a crueldade dos animais ferozes e vorazes. Antigamente, a responsabilidade de ensinar era atribuída aos mais velhos, aqueles que possuíam a sabedoria adquirida através da vivência. No mundo atual, tecnológico, as informações estão disponíveis em diferentes plataformas digitais. São informações tão variadas e contraditórias que confundem os mais jovens e os mais sensíveis. Sem o filtro crítico de cada um de nós e sem instituições protetoras dos valores, nossa sociedade perde a bússola que indica o norte.

Imaginem, com os carros tão velozes e confortáveis nas nossas ruas e estradas, o que seria dos pedestres caminhando sem os semáforos que nos fazem parar, frear ou diminuir a velocidade? É evidente que, numa sociedade acelerada, ficamos frustrados quando a limitação da velocidade nos impede de acelerar quando queremos e estacionar onde queremos. Algumas pessoas consideram essas leis de trânsito abusivas, no entanto, para o bem da sociedade, elas são imprescindíveis.

Hoje, todas as crianças têm acesso à internet desde pequenas. Se os pais e educadores não se atentarem ao conteúdo a que têm acesso, elas terão o aparelho psíquico comprometido, prejudicando sua saúde mental e seu futuro.

Ocorre o mesmo com a variedade de alimentos produzidos pelas indústrias. Se formos ingerir indiscriminadamente tudo que temos acesso, teremos, e já temos, crianças e adultos obesos. É evidente que as empresas que produzem informações que alimentam nossas mentes e alimentos que nos envenenam não suportam ter que seguir normas e toda uma legislação que protege os consumidores.

O estado e o governo são vistos como agentes intrusos, uma máquina, um vírus que deve ser destruído. As instituições são atacadas e desacreditadas, pois o céu é o limite para assegurar o livre comércio e o lucro a qualquer custo. A democracia é questionada, a credibilidade das urnas é atacada, as mentiras são criadas e espalhadas e defendidas em nome da liberdade. Os interesses financeiros não devem prevalecer sobre o bem-estar de todos. Para eles, o lucro a qualquer custo deve ser superior a qualquer lei ou governo que restrinja ou proíba a ganância. O poder econômico e político não consegue conviver com barreiras protetivas.

Os sinais são eloquentes: “America first”… “menos Brasília e mais Brasil”. Uns não aceitam ser derrotados nas eleições e promovem invasão ao capitólio, outros buscam amparo no poder das forças armadas para a sobrevivência deste modelo econômico predatório. O exemplo do embate entre o STF e o proprietário do antigo Twitter, o X, demonstra a frustração de quem não cumpre as mínimas exigências para exercer o seu poder econômico/político, que não respeita fronteiras físicas e morais.

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Por que grupos políticos se unem para ameaçar a democracia e suas instituições e não querem proibir as fake news? As informações falsas são usadas como estratégia para desacreditar as instituições e causar confusão, devido à falta de conhecimento e à desinformação das pessoas. Reduzir o poder do estado/governo é a garantia da expansão econômica sem limites. É a garantia que as porteiras serão abertas para a passagem da boiada.

O universo está poluído por informações tão tóxicas quanto o ar que respiramos, que nos adoece e impede a visão clara do horizonte. Eduquemos nossos jovens para desenvolverem o senso crítico, distinguirem o joio do trigo e o lobo vestido de ovelha que deseja devorar todos os rebanhos. Esse dilema que atinge toda a nossa civilização é tão antigo quanto a história da humanidade. A literatura é abundante: lobo mau e Chapeuzinho Vermelho, lobo vestido de pele de ovelha, joio e trigo...

Proponho que construamos o nosso futuro aprendendo com o nosso passado. Não se trata de retroceder, de resistir aos benefícios do progresso tecnológico, mas sim de seguir em frente, sem negar o aprendizado do passado. Sem os extremos radicais dos liberais e o radicalismo dos conservadores. O que está em jogo é o futuro da humanidade. Há uma série de passos a serem seguidos e princípios a serem mantidos e renovados se desejamos a sobrevivência como sociedade e construir uma cultura de paz.

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