30 anos de experiência em saúde mental comunitária

A Terapia Comunitária Integrativa, a Abordagem Sistêmica Comunitária e a Terapia Social, atuam na restauração de laços afetivo-relacionais e no reforço do sentimento de pertença

Escrito por
Adalberto Barreto ceara@svm.com.br
Legenda: A Terapia Comunitária Integrativa (TCI) foi criada na comunidade de 4 varas do Pirambu e promove o bem-estar emocional, social e relacional em comunidades em condições de vulnerabilidade psicossocial, utilizando recursos e conhecimentos locais.
Foto: Natinho Rodrigues/SVM

Vivemos em uma sociedade marcada por forças entrópicas, que promovem o isolamento, a fragmentação, a exclusão e a desintegração, tornando a existência física, psicológica, econômica e social precária. A entropia, no contexto social, pode ser entendida como a falta de conexão e a perda de coesão entre indivíduos e comunidades, causada pela desunião, intrigas, negação da realidade e notícias falsas que inspiram ódio e violência. 

Este cenário desagregador tem sido agravado pelo modelo econômico neoliberal predatório, caracterizado pelo excesso de competitividade e pela avidez por lucros, pela pilhagem e pela contaminação dos recursos naturais indispensáveis à vida. 

A saúde mental da humanidade e do brasileiro está sendo prejudicada pela ruptura dos laços afetivos e sanguíneos. Nosso futuro como humanidade e sociedade está comprometido. É tempo de ampliar o sentido de cuidados sistêmicos colaborativos. 

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Diante desse contexto entrópico, que dilacera o tecido social, os valores e recursos culturais do planeta, torna-se indispensável adotar ações sintrópicas, ou seja, iniciativas que promovam a criação, a integração e a harmonia não só entre as pessoas, mas com o planeta. A sintropia, ao contrário da entropia, constrói relações colaborativas, fortalece redes sociais e valoriza os recursos culturais e humanos disponíveis. 

A entropia é caracterizada pela tendência à desordem e degradação em sistemas fechados e autoritários, enquanto a sintropia é caracterizada pela ordem, colaboração, regeneração e capacidade de sistemas complexos de criar condições propícias à vida e à diversidade. 

Da mesma forma que existem forças que promovem a dispersão (entropia), também existem forças que fomentam a coesão, a organização e o crescimento (sintropia), componentes essenciais para a estabilidade dinâmica de sistemas biológicos, ecológicos e sociais. 

Em relação à saúde mental, essas iniciativas sintrópicas são realizadas por meio de métodos como a Terapia Comunitária Integrativa, a Abordagem Sistêmica Comunitária e a Terapia Social, que atuam diretamente na restauração de laços afetivo-relacionais e no reforço do sentimento de pertença. 

Dessa forma, a transição de uma dinâmica social entrópica para uma sintropia requer esforços concentrados para fomentar a solidariedade, a coesão, a empatia e a colaboração, criando espaços terapêuticos acolhedores e seguros onde as pessoas possam se conectar, trocar experiências e construir juntas redes de apoio social para um futuro mais coerente e saudável. 

Neste contexto, três abordagens inovadoras de intervenção psicossocial ganham destaque. O que elas têm em comum? Criar espaços para reconstruir, resgatar e tornar presente, visível, aquilo que está ausente, oculto ou desvinculado.

O que foi destruído fisicamente busca-se reconstituir simbolicamente por meio de encontros e compartilhamento de vivências. Ao criar vínculos de afeto, a empatia desperta um sentimento de unidade e pertencimento. É pelo resgate da dimensão simbólica que se resgata a essência da existência e da convivência humana. 

A participação comunitária permite aos indivíduos reconstruir o que foi destruído, desligar do que aprisiona, ligar e religar aos valores que norteiam o caminho de um povo esquecido; criar, recriar e inovar o seu futuro com os recursos disponíveis. Ela busca edificar no plano simbólico o que a sociedade competitiva destrói no âmbito material. 

Vejamos a contribuição de cada uma: 

Terapia Comunitária Integrativa (TCI)

Criada na comunidade de 4 varas do Pirambu pelo psiquiatra Adalberto Barreto e seu irmão Airton Barreto, advogado do centro de direitos humanos, é uma abordagem que promove o bem-estar emocional, social e relacional em comunidades em condições de vulnerabilidade psicossocial, utilizando recursos e conhecimentos locais. Ela se baseia na ideia de que qualquer indivíduo, independentemente de sua condição socioeconômica ou cultural, mesmo que não saiba, possui recursos e conhecimentos que podem ser úteis para os outros. Estas competências provêm das dificuldades superadas e dos recursos culturais. 

É na roda de TCI que esse saber é socializado. A realidade é uma universidade e a carência gera competência. As Rodas de Terapia Comunitária Integrativa são uma intervenção de base comunitária, baseada em experiências de vida, que visam fortalecer redes integradas e vitais de cuidado. 

Sua mística é: “para cada destruição material, se faz uma construção simbólica”. Busca o compartilhamento de experiências de vida, onde o sofrimento e as estratégias de enfrentamento são utilizados como matéria-prima para os indivíduos descobrirem as implicações sociais do sofrimento humano e proporcionem oportunidades de aprendizado e mudança. 

A promoção da Saúde Mental é gerada por meio de redes afetivo-relacionais-dialógicas e não medicaliza o sofrimento, a miséria e o empobrecimento. Integra profissionais e usuários em um mesmo espaço para promover a saúde, em contraposição aos modelos clássicos de saúde mental, que estabelecem relações verticais de poder, que gera dependência. 

Legenda: Essa metodologia destaca a valorização das experiências de vida e saberes populares
Foto: Natinho Rodrigues/SVM

Essa metodologia destaca a valorização das experiências de vida e saberes populares, integrando elementos da psicologia, antropologia e tradições culturais locais. A comunidade que tem problemas tem também suas soluções. Há 40 anos, tem procurado soluções participativas, integrando conhecimentos e ampliando redes de solidariedade em favelas, escolas, igrejas, centros de saúde, prisões, universidades, populações de migrantes e contextos de catástrofe. 

Abordagem Sistêmica Comunitária (ASC)

Proposta pelo psiquiatra e padre Rino Bonvino, líder do Movimento Integrado de Saúde Mental no bairro do Bom Jardim, foca na compreensão das dinâmicas comunitárias e na forma como os sistemas familiares, sociais e culturais afetam o bem-estar das pessoas. A presente metodologia utiliza princípios da abordagem sistêmica para trabalhar os laços interpessoais e comunitários, abordando questões como a exclusão social, conflitos familiares e desigualdades. A principal contribuição dessa abordagem é a promoção de um senso de pertencimento e a reconexão com a rede de suporte social, incentivando a resolução conjunta de desafios e o fortalecimento da identidade comunitária. 

A Abordagem Sistêmica Comunitária (ASC) representa uma iniciativa inovadora de cuidado biopsicossocial e espiritual. A principal meta da ASC é consolidar a autonomia, autoconfiança e consciência de responsabilidade das pessoas, incentivando processos de regeneração e mudança tanto no âmbito pessoal quanto no social. 

Esta abordagem liga aspectos intrapessoais, interpessoais e transpessoais, reconhecendo a diversidade cultural e espiritual como um fator agregador poderoso, como resposta às vulnerabilidades emocionais originadas pela violência urbana, pobreza e racismo. Diferentemente de modelos assistencialistas e paternalistas, seu foco está em soluções criativas e espontâneas, orientadas pela ideia de sintropia. 

Ao oferecer um cuidado integral e emancipador, a ASC ressignifica os desafios enfrentados pelas pessoas, auxiliando-as a se tornarem protagonistas de suas próprias histórias e trajetórias de vida. 

Terapia Social 

Criada pelo psiquiatra Dr. Marcos Noronha, residente em Florianópolis, procura promover mudanças sociais e emocionais em contextos sociais coletivos. Inspirada por uma visão humanista e transformadora, a Terapia Social enfatiza a construção de espaços de diálogo e a participação ativa dos indivíduos na resolução de problemas. 

Por meio de dinâmicas grupais, busca fomentar o empoderamento, a criatividade e a coesão social, permitindo que as pessoas se tornem agentes de mudança em suas comunidades. Entre as principais contribuições estão: superar barreiras emocionais e sociais, o fortalecimento da autonomia e a criação de um ambiente de suporte colaborativo. 

A prática é inclusiva e acessível para pacientes com distúrbios emocionais, desempenhando um papel crucial na recuperação, proteção e prevenção da doença mental. 

O objetivo é compartilhar técnicas de relacionamento para aqueles que buscam a recuperação ou a prevenção de distúrbios emocionais. As práticas como a Terapia Comunitária Integrativa, a Abordagem Sistêmica Comunitária e a terapia social são exemplos concretos de sintropia aplicada à saúde mental e à coesão social. 

Elas promovem bem-estar, valorizando experiências individuais e coletivas, criando redes de cuidado que transcendem modelos tradicionais. São estratégias coletivas baseadas na colaboração, empatia e em compartilhamento de recursos, que estimulam processos sintrópicos nas comunidades. 

No contexto atual, em que os desafios são globais e complexos, o conceito de sintropia oferece uma perspectiva transformadora. Ele orienta soluções que buscam reconstrução e equilíbrio dinâmico, integrando ciência, natureza e cultura. A sintropia é um convite à ação.

Com ela, restauramos vínculos fragmentados, respeito ao planeta e fortalecemos a conexão entre os seres vivos, criando uma realidade baseada em colaboração e crescimento mútuo. Embora os avanços descritos acima sejam promissores, ainda há muito a ser feito. 

Os investimentos em pesquisa, a ampliação do acesso aos serviços e a garantia de que os tratamentos sejam inclusivos e culturalmente sensíveis são passos cruciais para um futuro em que a saúde mental receba o mesmo nível de atenção e recursos que a saúde física. 

Essas contribuições da TCI, ASC e TS têm um impacto profundo na saúde mental e no fortalecimento das comunidades, promovendo bem-estar e inclusão em diversos contextos sociais. Nos próximos dias 21 a 23 de junho, teremos um encontro de troca de experiência em que os psiquiatras Adalberto Barreto, Rino Bonvini e Marcos Noronha farão uma avaliação dos últimos 30 anos da saúde mental Comunitária. 

Será um evento aberto a todos e você pode ter mais informações acessando o tel. (85) 999873210.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.