O Jogo do Tigrinho: Armadilha digital que afeta a saúde mental de indivíduos e famílias

Escrito por
Adalberto Barreto ceara@svm.com.br
Legenda: Usuários tornam-se prisioneiros do jogo, incapazes de reagir, resultando em uma busca incessante por recompensas
Foto: Shutterstock

O jogo do tigrinho é um jogo digital que mistura elementos de sorte, desafio e recompensa instantânea para capturar a atenção de seus usuários. Ele tem uma aparência visual simples, atraente e sedutora, levando jogadores a se dedicar por períodos prolongados a alcançar metas ou recompensas específicas, utilizando sistemas de microtransações para progressão.

Esse jogo, aparentemente inocente, é mais letal do que muitos vírus que põem em risco a saúde de populações inteiras. Ele aprisiona pessoas, tornando-as escravas com grande dificuldade de se libertar. É um vírus invisível que gera dependência e ilusão e destrói vidas. Tenho testemunhado casos de pessoas que se endividaram, venderam tudo que puderam, inclusive sua própria casa, e vivem como mendigos afetivos atrás de dinheiro, inventando histórias comoventes, projetos mirabolantes para obter dinheiro para jogar.

Este jogo tem desfeito casamentos, destruído famílias e infernizado existências. Tem atingido homens e mulheres hipnotizados por este tigrinho assassino. Arruínam o patrimônio material, a paz e a tranquilidade da família e de amigos próximos de forma dramática e deprimente. Ele é tão devastador quanto a dependência às drogas. Os usuários tornam-se prisioneiros do jogo, incapazes de reagir, resultando em uma busca incessante por recompensas e terminam perdendo o controle sobre o tempo gasto jogando.

O “jogo do tigrinho” atinge a saúde mental de seus usuários. A dependência pode levar à frustração, ansiedade e, em casos extremos, depressão, tentativas de suicídio, devido à repetição de experiências de recompensa e à incapacidade de alcançar objetivos desejados. Esse tipo de jogo é projetado para estimular constantemente a liberação de dopamina, um neurotransmissor associado ao prazer e à motivação. Sua liberação excessiva e repetitiva pode levar à formação de dependências comportamentais. O indivíduo fica hipnotizado, paralisado e sem possibilidade de reagir. Ele torna-se prisioneiro, submisso e dependente.

Há uma relação clara entre a dependência a esse jogo e o uso e abuso de drogas. A busca incessante por repetir a experiência prazerosa da “primeira dose” de uma droga e a “primeira vitória” do “jogo do tigrinho”. Quando uma pessoa experimenta um ápice de prazer ou satisfação inicial, seja ao ganhar no jogo ou ao usar uma droga, isso libera neurotransmissores como a dopamina no cérebro, criando uma associação prazerosa intensa. Isso leva a um ciclo compulsivo de repetição, na esperança de reviver a sensação inicial, de ganhar ou recuperar o dinheiro perdido, o que raramente ou nunca acontece. A ilusão de que o prazer se perpetuará é o que prende muitos usuários nessa armadilha, seja no contexto de substâncias químicas ou de jogos digitais.

No caso do “jogo do tigrinho”, essa dinâmica é reforçada pela promessa ilusória de ganhos financeiros fáceis, que mantém o jogador preso na expectativa de recuperar perdas ou alcançar vitórias maiores. Isso cria uma dependência psicológica similar ao uso de drogas, com consequências emocionais, sociais e financeiras devastadoras. Assim, o jogo age como um vício comportamental, utilizando os mesmos circuitos cerebrais ativados por substâncias químicas viciantes.

Os benefícios da dopamina vão além do prazer imediato. Ela é vital para funções como a regulação do humor, o foco na realização de tarefas e a memória. Quando bem equilibrada, contribui para a motivação, ajudando indivíduos a perseguirem objetivos e a se manterem motivados em projetos de longo prazo. O excesso de dopamina liberado pelos estímulos rápidos e repetitivos do jogo altera o funcionamento cerebral, reduz a capacidade de concentração e a memória. No entanto, um excesso ou deficiência de dopamina pode levar a problemas, como vícios ou distúrbios neurológicos, destacando a importância de manter uma relação saudável com estímulos que promovem sua liberação, como os jogos digitais.

Cada jogo funciona como mais um copo de bebida alcoólica ou mais uma dose de droga em busca de recuperar um momento de prazer perdido, como no dia em que ganhou muito dinheiro. Esse reforço contínuo pode enfraquecer outras áreas relacionadas ao controle de impulsos e ao planejamento a longo prazo, criando um desequilíbrio neurológico que dificulta a tomada de decisões conscientes. Isso pode levar a uma necessidade contínua de jogar para obter satisfação, impactando negativamente a vida familiar, social, acadêmica ou profissional.

É importante que os jogadores e suas famílias estejam atentos aos sinais de compulsividade para buscar equilíbrio e, se necessário, ajuda profissional. O vício pode causar severo distanciamento social, prejudicando relações interpessoais e resultando em isolamento. Tive pacientes que, durante meses, não conseguiam nem sair de seu quarto e permaneciam confinadas como prisioneiras de si próprias, deixando de lado o exercício da maternidade, comprometendo o futuro de seus filhos.

Ao contrário de vírus letais que afetam diretamente o corpo por meio de doenças físicas, os usuários deste jogo frequentemente buscam repetir as experiências de recompensa proporcionadas pelo jogo, o que pode resultar em perda de controle sobre o tempo gasto jogando. A compulsão pelo jogo pode interferir no desempenho escolar, no trabalho e na vida social, comprometendo o futuro a longo prazo. Quantas pessoas já fecharam suas empresas por esse descontrole? Quantas abandonaram maridos, esposas e filhos pelo tigrinho? Quantas já perderam a paz e o sossego? E por fim, a exposição contínua a estímulos do jogo pode ocasionar efeitos neurológicos, desequilíbrios no sistema de recompensa, dificultando a tomada de decisões conscientes.

Comparar o impacto do “jogo do tigrinho” ao de “vírus letais” pode parecer improvável à primeira vista, mas há um ponto em comum: ambos podem ter consequências devastadoras para a qualidade de vida. Enquanto um vírus pode incapacitar fisicamente uma pessoa, o jogo pode incapacitar psicologicamente, levar a um isolamento social severo, prejuízo nas relações devido à exposição contínua a estímulos rápidos e repetitivos. A diferença fundamental reside na natureza do impacto — físico no caso de vírus e psicológico no caso do jogo — mas ambos demandam atenção séria.

O perigo do “jogo do tigrinho” reside exatamente na sua aparência inofensiva, em um passatempo divertido. Ele não ameaça de forma explícita, mas infiltra-se gradualmente nas rotinas, dificultando a identificação de seus danos. O “jogo do tigrinho” é um exemplo contemporâneo de jogos digitais que empobrece financeira e afetivamente aos seus jogadores. A ilusão de ganhar dinheiro fácil para realizar seus sonhos é a porta de entrada de uma prisão difícil de sair.

Como ajudar alguém a superar o vício no “jogo do tigrinho” e promover sua recuperação? O primeiro passo é reconhecer o problema e identificar os sinais de dependência. No caso do “jogo do tigrinho”, os principais indicadores incluem: uso compulsivo do jogo, mesmo diante de consequências negativas. Endividamento ou uso descontrolado de recursos financeiros para jogar. Isolamento social e negligência de responsabilidades familiares, acadêmicas ou profissionais. Alterações de humor frequentes, como ansiedade, irritabilidade ou depressão. Comportamentos obsessivos, como mentir ou inventar histórias para conseguir dinheiro.

Os outros passos são uma abordagem com empatia. Evite julgamentos ou críticas severas. Aborde a pessoa com empatia e compreensão, criando um ambiente seguro para que ela possa reconhecer o problema sem se sentir atacada ou envergonhada. Ajude a pessoa a entender o impacto do vício em sua vida. Converse sobre como o “jogo do tigrinho” tem afetado suas finanças, relações interpessoais e saúde mental. Use exemplos concretos, mas tome cuidado para não adotar um tom acusatório.

O vício em jogos digitais é uma condição séria, muitas vezes comparável ao uso de drogas. Recomende ou auxilie a pessoa a procurar apoio profissional, como: psicólogos especializados em dependências comportamentais. Psiquiatras, para casos em que há necessidade de intervenção medicamentosa. Grupos de apoio, como organizações focadas no combate à dependência em jogos. Se você convive com alguém dependente do jogo, estabelecer limites claros é essencial. Por exemplo, restrinja o acesso a dispositivos eletrônicos ou supervisione o uso até que a pessoa retome o controle. Engaje a pessoa em atividades que substituam o tempo dedicado ao jogo, como exercícios físicos, atividades de lazer criativo ou interações sociais positivas. Isso ajuda a restabelecer o equilíbrio da dopamina no cérebro de forma saudável.

A recuperação é um processo contínuo. Esteja presente para apoiar a pessoa durante todo o percurso. Celebre pequenos progressos, como a redução do tempo de jogo ou a retomada de atividades importantes. Superar o vício no “jogo do tigrinho” exige um esforço conjunto entre a pessoa afetada, seus familiares e profissionais especializados. É importante lembrar que a recuperação não ocorre da noite para o dia e pode ser marcada por altos e baixos e recaídas.

O apoio incondicional de pessoas próximas pode ser a chave para ajudar o dependente a retomar o controle sobre sua vida. Caso perceba sinais de agravamento do quadro, como depressão profunda ou pensamentos de automutilação, procure ajuda emergencial imediatamente. O mais importante é não desistir de ajudar e lembrar que, com apoio apropriado, é possível superar esse desafio.