Entretenimento ou Manipulação? O impacto psicológico das redes sociais

Não se usa mais a força física e sim a sedução através das redes sociais que apresentam um fluxo incessante de conteúdos projetados para capturar continuamente nossa atenção.

Escrito por
Adalberto Barreto producaodiario@svm.com.br
Legenda: Como usar as plataformas digitais para um uso saudável e consciente? As redes sociais, com seu apelo visual e capacidade de conectar indivíduos em uma escala global, possuem um impacto profundo, sobretudo no desenvolvimento emocional e cognitivo das crianças
Foto: Pexels

No passado, os colonizadores conquistavam novos territórios que se tornaram colônias. Foi assim que os portugueses chegaram ao Brasil. Conquistar nossas riquezas materiais, como a madeira e o ouro. Não só roubaram e pilharam nossas riquezas materiais, mas também tentaram acabar com nossos povos originários e escravizaram africanos para fazer o trabalho escravo. Foram conquistas pela força das armas, a força da chibata e das correntes que se apropriavam e exploravam vidas mais vulneráveis.

O pelourinho na Bahia é o símbolo desses tempos de dominação e crueldade. No presente, o símbolo da nova colonização, dominação, são os smartfones. Não se usa mais a força física e sim a sedução através das redes sociais que apresentam um fluxo incessante de conteúdos — vídeos curtos, memes, tendências, debates polarizados — projetados para capturar continuamente nossa atenção. Esse ciclo de distração não somente ocupa nosso tempo, mas condiciona nossa mente a priorizar superficialidades sobre reflexões profundas e ações transformadoras.

Nossas mentes são possuídas e ficam prisioneiras de likes e compartilhamento. As armas desta conquista são pela diversão através das mídias sociais, dos games e dos likes. As distrações servem para nos impedir de pensar, trabalhar e crescer livres. Tentam nos fazer perder tempo com futilidades. O uso excessivo das plataformas digitais pode nos alienar da realidade concreta do dia a dia e nos distanciar das mudanças significativas que exigem nosso engajamento ativo. Se distrair é importante, mas pode nos hipnotizar, possuir e poluir nossas mentes.  A diversão é uma maneira de ocupar nossas mentes com futilidades e nos distanciar de problemas em nossas famílias, substituindo interações reais por likes e compartilhamentos que dificilmente contribuem para o crescimento pessoal e para mudanças concretas.

Multiplicar notícias falsas nas redes sociais é uma forma de colonizar nossas mentes, de aprisionar nossa alma e, enquanto isso, deixamos de conversar, trocar afeto, nos abraçar e conviver com nossa família. Condicionar nossas mentes a pensar o que os outros pensam e não pensarmos por nós mesmos. Querem que sejamos eco de vozes que vêm de longe e repetir o que ouvimos e assim deixarmos de expressar nossas vozes genuínas. Ao nos inundar com entretenimento, as redes sociais não somente nos afastam dos problemas reais de nossas famílias, cidades e países, mas também criam uma sensação de impotência diante das questões mais urgentes.

O excesso de distrações serve como uma barreira que nos impede de perceber as nuances da vida cotidiana, de refletir sobre os desafios sociais e de nos mobilizar para agir. Em vez de nos envolvermos em debates construtivos ou tomarmos parte em ações comunitárias, somos incentivados a consumir individualmente, passivamente, conteúdos que reforçam muitas vezes a apatia, a indiferença e o ódio fratricida. Ao sermos continuamente expostos a notícias falsas, narrativas fabricadas e tendências impostas, acabamos assumindo ideias que nos são alheias como verdades universais. Essa programação mental nos transforma em robôs, suprimindo nossa capacidade de expressar pensamentos pessoais.

Sem perceber, nos afastamos da autenticidade, da verdade e da liberdade de refletir e agir com base em valores próprios e em necessidades reais. Desde o final do século I d.C., a expressão “pão e circo” (panem et circenses), originada na Roma Antiga, representa estratégias políticas onde governantes usam entretenimento e bens básicos para distrair a população de questões importantes. O poeta romano Juvenal, em sua obra “Sátiras”, criticava essa prática, destacando como ela era usada para manter o controle e evitar críticas, oferecendo pão e espetáculos, como lutas de gladiadores, em troca da liberdade do povo. Dizia ele: “Duas coisas apenas o povo ansioso deseja: pão e jogos circenses.”

O poeta usa essa frase para evidenciar como a política da época se apoiava em medidas populistas para desviar a atenção de sérios problemas, manter a ordem e o controle.   Governos ou sistemas que utilizam benefícios superficiais ou entretenimento para apaziguar a população e sobretudo para criar bolhas de desinformação, evitando críticas ou protestos. Essa metáfora permanece atual, sendo aplicada tanto em regimes autocráticos quanto democráticos. Recentemente o Presidente Trump ressuscitou esta estratégia para desviar a atenção, promovendo shows televisivos de constrangimento e humilhação pública a presidentes de países com os quais tem desentendimento, como Zelensky da Ucrânia e Cyril Ramaphosa da África do Sul e presidente do Congresso Nacional Africano (ANC), conhecido por seu esforço em promover a recuperação econômica e enfrentar os desafios sociais do seu país.

Hoje, “pão e circo” podem se manifestar em programas sociais combinados com eventos culturais ou esportivos, que mascaram muitas vezes problemas como corrupção, desigualdade e falta de investimento em saúde e educação. A expressão “pão e circo” é um lembrete histórico da importância de uma sociedade engajada e consciente de seus direitos e deveres. Mais do que nunca, é essencial refletir sobre como os entretenimentos e as distrações alimentadas pelas fake news mascaram problemas profundos, mantendo grande parte da população em bolhas de desinformação e alienação, afastando as pessoas dos problemas do dia a dia.

Para romper esse ciclo de alienação, é necessário um esforço consciente para reequilibrar nossa relação com o mundo digital. Desconectar-se periodicamente, cultivar interações reais com a família e amigos, e buscar compreender os problemas que afligem nossa sociedade são passos fundamentais. Ao nos libertarmos do excesso de distrações, podemos reaproximar nossas mentes e almas da realidade concreta, permitindo que nossas vozes genuínas ressoem em ações que promovem mudanças significativas.

As redes sociais conseguem unir e transformar, mas também possuem uma capacidade inquietante de aprisionar e alienar. Reconhecer os efeitos do uso excessivo dessas plataformas é o primeiro passo para viver de forma mais consciente, engajando-se ativamente na construção de uma realidade mais justa e significativa. Afinal, equilibrar diversão e propósito é essencial para recuperar o controle sobre nossas vidas e sobre o impacto que desejamos causar no mundo. Como proteger nossos filhos das influências negativas das redes sociais?

Como usar as plataformas digitais para um uso saudável e consciente? As redes sociais, com seu apelo visual e capacidade de conectar indivíduos em uma escala global, possuem um impacto profundo, sobretudo no desenvolvimento emocional e cognitivo das crianças. Embora tragam benefícios, como acesso a informações e interação social, elas também apresentam riscos consideráveis, incluindo exposição a conteúdos inadequados, cyberbullying, dependência digital e impacto negativo na saúde mental. A infância e a adolescência são períodos de formação da personalidade e absorção de valores, nos quais as mentes são altamente influenciáveis.

Vários homens e mulheres estão de pé em frente a um quadro de giz, todos estão usando celulares
Legenda: O excesso de distrações serve como uma barreira que nos impede de perceber as nuances da vida cotidiana, de refletir sobre os desafios sociais e de nos mobilizar para agir
Foto: Pexels

O uso precoce e descontrolado dessas plataformas pode levar à dificuldade de concentração, baixa autoestima, ansiedade e até mesmo à alienação das interações sociais reais. É essencial que pais, educadores e gestores estejam atentos a esses desafios para proteger as próximas gerações. Qual a idade com que as crianças devem ter acesso às redes sociais? A grande maioria dos cientistas e pesquisadores recomenda que o acesso às redes sociais seja introduzido gradualmente, geralmente a partir dos 13 ou 14 anos, e sempre com supervisão. Antes dessa idade, é preferível que as crianças explorem ambientes digitais mais seguros e educativos, projetados para sua faixa etária.

Cabe aos pais avaliar se a criança possui maturidade suficiente para lidar com as pressões e responsabilidades desse universo online. Algumas dicas para proteger nossos filhos. Determine horários específicos para o uso de dispositivos e proíba o acesso durante momentos importantes, como refeições, ou antes, de dormir. Instale aplicativos de controle parental para monitorar o tempo de uso e os conteúdos acessados pelas crianças. Explique os perigos das redes sociais, como a disseminação de informações falsas, cyberbullying e exposição a predadores online. Promova passatempo, esportes e interações sociais presenciais para reduzir a dependência digital. E o fundamental é ser um exemplo. Nossos filhos aprendem observando seus pais e adultos.

Demonstre um comportamento saudável e coerente em relação ao uso da tecnologia. Promover a alfabetização digital é uma ferramenta poderosa para capacitar as crianças a navegar de forma segura no ambiente online. Ensine-as a identificar conteúdos confiáveis, proteger sua privacidade e entender que nem tudo o que veem nas redes reflete a realidade. Incentive-as a questionar as informações e a desenvolver um senso crítico. O diálogo aberto é essencial para criar um ambiente de confiança. Proteger nossos filhos de “desinformação desestruturante” causada pelas redes sociais exige esforço conjunto e consciente dos pais, educadores e de toda a sociedade.

Ao definir limites claros, educar sobre os riscos e promover atividades offline, podemos ajudar a próxima geração a crescer de forma equilibrada e resiliente. A introdução gradual e monitorada ao mundo digital e a promoção da alfabetização digital são passos indispensáveis para garantir que as redes sociais sejam uma ferramenta de aprendizado e conexão, e não uma fonte de alienação e insegurança. O futuro dessa geração depende de como ensinamos nossos filhos a usar a tecnologia de maneira saudável. Com orientação, paciência e exemplo, podemos empoderá-las para que vivam em harmonia com o mundo digital e construam um futuro próspero e significativo. 

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.