Planejamento estratégico em momentos de crise: fazer ou não fazer?

Confira artigo do professor Paulo Pinho, da Universidade de Fortaleza

Todos os empreendedores e gestores, sem exceção, estão muito angustiados e ansiosos neste momento de crise e incerteza. Até mesmo nas áreas menos afetadas atualmente (como os supermercados, farmácias etc), há muitas dúvidas sobre como serão os negócios no futuro, especialmente no cenário pós-pandemia. 

Já ouvimos muitos gestores defendendo a tese de que, especialmente em momentos de crise, é impossível planejar a médio e longo prazo, pois há muitas variáveis incontroláveis envolvidas e que a única certeza é que o “acaso” sempre estará presente. Quem poderia prever esta pandemia? E a crise econômica mundial? As crises que ocorrem no Brasil? São muitos os questionamentos realizados atualmente.

Por outro lado, a história recente nos faz lembrar das várias crises econômicas que insistem em reaparecer de tempos em tempos: 1929 - a grande depressão, 1980 - dívida dos países da América Latina, 1985 - a bolha imobiliária, 1994 - mercados emergentes, 2008 - subprime. Não podemos esquecer das terríveis pandemias que assombraram a humanidade: em 2003 - SARS, 2005 - gripe aviária, 2009 - gripe suína, 2014 - ebola, somente para citar alguns dos eventos que sistematicamente se repetem ao longo da história. Será mesmo que, diante da incerteza, a melhor alternativa seria abandonar o planejamento?  

Já ouvimos muitos “conselheiros” afirmando que o caminho é “transformar os negócios analógicos em digitais” e “desenvolver urgentemente plataformas online e apps”. Ouvimos também que a digitalização dos negócios se trata de uma “megatendência”, portanto inquestionável. Será que a “digitalização dos negócios” é a “fórmula mágica” para todas as empresas?  

Outra grande “verdade absoluta” que merece reflexão é a da era “ágil” e do “senso de urgência”. No dia a dia das empresas é fácil encontrarmos gestores preocupados em “realizar projetos”. O problema não é realizar projetos (que são fundamentais), a questão é que muitos destes projetos, devido à urgência, não são analisados com o nível de profundidade necessário. Trata-se de um fenômeno muito presente na atualidade: os gestores não têm tempo para pensar, refletir e planejar.

Na verdade, os gestores são cobrados a demonstrar para os outros e/ou para si mesmos que estão fazendo alguma coisa, que não estão parados. Não seria mais produtivo focar em projetos que sejam realmente necessários e que possam trazer impactos relevantes para a empresa? 
 

Então, o que os gestores deveriam fazer neste momento de crise? Na nossa opinião, a alternativa de abandonar a “estratégia” e sair para “ação”, para o “fazejamento”, como muitos propagam, sem uma profunda reflexão e debate, é uma insanidade, além de uma perda de tempo e de dinheiro. Nestes momentos de crise os gestores precisam investir no pensamento estratégico. O filósofo Sêneca já afirmava no século V a.C. que não há vento favorável para quem não sabe para onde vai.  

É fundamental lembrar que estratégia é o ato de refletir e planejar o futuro da empresa. É analisar continuamente o ambiente (externo e interno), prever cenários futuros e alternativos, definir objetivos e metas, estruturar projetos, modelar processos e desenvolver as competências dos colaboradores para que a empresa aproveite as oportunidades. Ressalte-se que as grandes oportunidades estão no futuro.  

Para pensar o futuro da empresa não é necessário o desenvolvimento de um plano estratégico sofisticado, complexo e caro.

Fazemos parte da corrente que defende a adoção de planos formais sim, porém como o uso de metodologias simples, participativas e que alinhem objetivos, metas, planos e projetos com todos os colaboradores da empresa. Adotar um modelo formal de planejamento traz sempre mais pontos positivos do que negativos.  

Acreditamos também que mesmo em momentos de crise devem ser considerados os diversos horizontes do planejamento. A curto prazo os gestores precisam atuar no que é emergencial para a sobrevivência do negócio (readequar o fluxo de caixa, rever o orçamento, reduzir custos, renegociar contratos, dívidas etc). A médio e longo prazo devem pensar em projetos estruturantes que preparem a empresa para o futuro planejado.  

Independentemente da metodologia de planejamento e de gestão do desempenho adotada pela empresa (OKR, GPD, BSC etc), o mais importante é que o empreendedor exercite o pensamento estratégico: pensar antes de agir, mas agir. Para Godet (1994), o grande desafio é preparar a empresa para as mudanças previstas e agir para provocar as mudanças desejadas. Não podemos relegar para o segundo plano a coisa mais importante construída pela humanidade: a capacidade de reflexão, de planejamento e de realização de forma coletiva.  

Boyer e Equilbey (1990) cunharam uma frase que resume exatamente o nosso pensamento: a gestão é a arte de por a organização a serviço da estratégia. Investir em estratégia, profunda e seriamente, é no que sinceramente acreditamos e o que sugerimos aos gestores e empreendedores. Enfim, voltando à questão inicial: planejamento estratégico em momentos de crise? Sim. Sempre.  

Paulo Pinho

Doutorando e Mestre em Administração, Professor do Curso de Administração da Unifor, Consultor com mais de 20 anos de experiência na área de Estratégia, Gerente de Planejamento e Orçamento da Cogerh (Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos)


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