Alertas do Inpe indicam alta de 40% em desmatamento na Amazônia; governo contesta

Os satélites do Deter (o sistema de detecção em tempo real) observaram uma perda até esta quarta-feira de 5.879 km2 da floresta, ante 4.197 km2 entre 2017 e 2018

Escrito por Agência Estado ,
Legenda: O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse que a elevação de 88% em junho tinha sido interpretação de "jornalistas, técnicos e ditos especialistas" para produzir "impacto midiático"
Foto: José Cruz/Agência Brasil

Depois de passar quase duas semanas dizendo que os dados de desmatamento da Amazônia são mentirosos, o governo Jair Bolsonaro reconheceu nesta quarta-feira, 31, que a taxa está em alta, mas afirmou que os números que vieram à tona foram uma interpretação equivocada, destaca o jornal O Estado de S. Paulo. O presidente anunciou no sábado que haveria uma "surpresa" nos números e nesta quarta disse que apresentaria o "dado real". Mas o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, encerrou o dia dizendo que os "porcentuais interpretativos cairão."

O período em que a taxa anual do desmatamento é medida se encerrou nesta quarta (de 1.º de agosto de um ano a 31 de julho do ano seguinte), e dados de alertas disponíveis no site do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) indicam que a perda da vegetação este ano pode ter sido bem maior que no ano anterior. O agregado de alertas feitos pelo Deter - o sistema de detecção em tempo real - aponta alta de 40% ante o mesmo período do ano anterior. Os satélites observaram uma perda até esta quarta-feira de 5.879 km2 da floresta, ante 4.197 km2 entre 2017 e 2018. 

5.879 km2
Foi a perda espacial de floresta no período observado pelo Inpe

Os valores começaram a subir mais do que nos últimos anos a partir de maio. Julho, segundo o Deter, trouxe a maior perda em um mês desde 2015. Até esta quarta, o desmatamento observado foi de 1.864,2. km2 - um valor 212% mais alto que julho de 2017. É mais do que a área da cidade de São Paulo, que tem cerca de 1.500 km2.

Os números acendem um sinal vermelho. O Deter fornece dados diariamente ao Ibama e às Secretarias Estaduais de Meio Ambiente para ajudá-las na fiscalização. Ele observa desmatamento com solo exposto, desmatamento com vegetação, limpeza para mineração degradação. Considerando os três primeiros pontos, que realmente indicam a perda da floresta, o chamado corte raso, chega-se aos números citados.

Mais rápido, porém com resolução menor, o Deter funciona como indicador do que outro sistema, o Prodes, mostrará até o fim do ano. Este sim é o monitoramento que dá a taxa anual oficial da Amazônia. Nas últimas semanas, a gestão Bolsonaro, repercutindo análises de junho, criticou o instituto e disse que os dados são mentirosos, que o diretor do Inpe, Ricardo Galvão, estaria "a serviço de alguma ONG" e a divulgação prejudica o País. 

"Dado real"

Na quarta o presidente falou duas vezes sobre o assunto. No fim da manhã, disse que à tarde seria divulgado o "dado real" do desmate. "Foi uma variação muito abrupta. Alguma coisa aconteceu. E a desconfiança nossa é por aí, que existem dados lá que são alertas de desmatamento. Alerta não é desmatamento", disse.

Algumas horas depois, afirmou que não seria divulgado nada e afirmou que, após o Inpe dizer que há "suspeita" de desmatamento alguém do Ibama deveria "ir lá e comprovar". O presidente ainda disse que os números não podem ser jogados. "Vão ser compilados agora. Será discutido com todo mundo para passar dados exatos para todo mundo."

Depois, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, se manifestou. Ele havia acabado de sair de reunião com o ministro da Ciência, Marcos Pontes, técnicos do Inpe e um diretor do Ibama, onde ouviu explicações de como o Inpe funciona. 

"O desmatamento vem aumentando desde 2012. Tem aumento de desmatamento, precisamos ver agora como coibir", admitiu Salles. Mas disse que a elevação de 88% observada em junho tinha sido interpretação de "jornalistas, técnicos e ditos especialistas" para produzir "impacto midiático". Também alegou que há, entre os dados, alertas duplicados ou desmates de mais de um ano que só foram vistos agora. E a elevação de 88% foi "reconhecida por todos (na reunião) que não reflete a realidade".

Defesa técnica

Ao Estado, Galvão, diretor do Inpe, disse que todos os dados apresentados por Salles foram contra-argumentados pelos técnicos. Ele reconhece que às vezes o alerta pode não se confirmar depois como real desmate, mas que, em geral, os sinais demonstrados pelo Deter são confirmados depois pelo Prodes. Se um aponta alta, o outro provavelmente confirmará a mesma alta depois. 

"Não significa que os 40% de alta vistos pelos alertas serão depois alta de 40% no Prodes. Os sistemas são diferentes. É como se um olhasse com câmera mais aberta e o outro focasse mais. Mas há correlação em torno de 82%. Vai ter alta este ano com o Prodes, não tenho a menor dúvida", diz ele, que está no Inpe desde 1970 e cujo mandato à frente do órgão vai até 2020.

Outros sistemas

A alta de desmate indicada pelos alertas do Inpe tem sido observada por outros sistemas de monitoramento da Amazônia desde 2018. É o caso do Global Land Analysis ? do sistema da ONG Imazon; e do MapBiomas, iniciativa de universidades e ONGs que trabalha com os três dados anteriores e também com os de um monitoramento feito pelo Ministério da Defesa.

De acordo com o engenheiro florestal Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas, a taxa de desmatamento não só está crescendo, como esse aumento está acelerando a partir de maio. E os cortes estão ocorrendo de modo mais ousado.

Como os dados do Deter são abertos para consulta por outras fontes, o MapBiomas faz um trabalho de validá-los. Ou seja, faz uma checagem das informações com imagens de satélite de mais alta resolução.

Ele fez isso, por exemplo, com a área que o Deter apontou como o maior desmatamento dos últimos meses. Um polígono de 32 km² em Altamira. "Analisamos as imagens, cruzamos com dados do Cadastro Ambiental Rural e vimos que se trata de corte ilegal, ocorrido ao longo de 70 dias. Não havia autorização para ele ser feito. Uma área quase do tamanho da Floresta da Tijuca (no Rio)". As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.