China tenta conter e censurar movimento de protesto histórico
Por seu alcance territorial, a onda de protestos parece a mais importante desde as mobilizações pró-democracia de 1989
Com as ruas tomadas por policiais e as informações sob censura na Internet, as autoridades chinesas tentaram conter, nesta segunda-feira (28), um movimento de protesto de dimensão histórica, no qual a população exige o fim das restrições provocadas pela pandemia de Covid-19 e mais liberdades.
Por seu alcance territorial, a onda de protestos parece a mais importante desde as mobilizações pró-democracia de 1989.
O descontentamento social cresceu nos últimos meses na China, um dos poucos países que continua aplicando uma política rígida contra a Covid-19, denominada "covid zero", que inclui confinamentos em larga escala e exames PCR quase diários.
No domingo, uma multidão protestou em Pequim, Xangai e Wuhan, entre outras cidades, e gritou palavras de ordem como "Xi Jinping, renuncie! PCC (Partido Comunista Chinês) renuncie!" e "Não aos confinamentos, queremos liberdade".
A revolta da população aumentou após um incêndio que deixou 10 mortos em Urumqi, capital da província de Xinjiang (noroeste). Muitas pessoas consideram que o resgate foi prejudicado pelas restrições impostas contra a covid-19.
Após a tragédia em Urumqi, cidade de 4 milhões de habitantes, as autoridades flexibilizaram as restrições na região: a partir de terça-feira será possível utilizar ônibus para fazer compras e os estabelecimentos comerciais em áreas de "baixo risco" poderão retomar parcialmente as atividades.
O ministério chinês das Relações Exteriores acusou "forças mobilizadas por motivos ocultos" de terem vinculado o incêndio à "resposta local contra a covid-19".
Um protesto planejado em Pequim na tarde desta segunda-feira foi frustrado quando dezenas de policiais e veículos lotaram um cruzamento perto do ponto de encontro no distrito de Haidian. Um manifestante solitário criticou o presidente Xi Jinping, antes de ser preso.
Em Hong Kong, onde houve grandes protestos pró-democracia em 2019, dezenas de manifestantes se reuniram na Universidade Chinesa em luto pelas vítimas do incêndio de Urumqi, apurou um jornalista da AFP.
Tanto a ONU quanto os Estados Unidos defenderam o direito das pessoas de se manifestarem na China.
Veja também
Presença policial
Em Xangai, duas pessoas foram detidas perto da rua Urumqi, cenário de uma manifestação na véspera. Uma delas "desobedeceu as ordens da polícia", afirmou um agente.
As equipes das forças de segurança também dispersaram as pessoas no local e obrigaram os manifestantes a apagar as fotos em seus smartphones, segundo um correspondente da AFP.
Questionada, a polícia de Xangai não revelou quantas detenções foram efetuadas no fim de semana.
Nesta cidade, um jornalista da BBC, Ed Lawrence, foi detido e "agredido pela polícia", segundo a emissora britânica, algo que o ministro britânico para as Empresas, Grant Shapps, considerou "inaceitável e preocupante".
"A BBC está extremamente preocupada com o tratamento ao nosso jornalista Ed Lawrence, que foi preso e algemado enquanto cobria os protestos em Xangai", indicou um porta-voz da BBC em declaração escrita enviada à AFP.
A União Europeia de Radiofusão (UER), a maior aliança de veículos públicos do mundo, criticou nesta segunda-feira as "agressões" sofridas na China por jornalistas.
No domingo foram registrados distúrbios violentos entre as forças de segurança e manifestantes em Xangai. Algumas pessoas exibiam folhas em branco, um gesto para denunciar a censura, e várias foram detidas.
Em Pequim, viaturas da polícia foram enviadas para as proximidades do rio Liangma, onde mais de 400 jovens protestaram no domingo aos gritos de "Todos somos moradores de Xinjiang".
"A manifestação foi algo bom", declarou à AFP uma mulher de 20 anos, que pediu anonimato.
"Enviou uma mensagem de que as pessoas estão cansadas das restrições excessivas. Acredito que o governo entendeu e vai aliviar suas políticas para seguir adiante", acrescentou, antes de opinar que "a censura não conseguiu acompanhar o ritmo" dos protestos.
Porém, qualquer informação sobre as manifestações parece ter sido eliminada de todas as redes sociais chinesas.
Na plataforma Weibo, uma espécie de Twitter chinês, as buscas por "Rio Liangma" e "rua Urumqi" não apresentavam nenhum resultado relacionado com a mobilização.
Ponto de ebulição
Além de Pequim e Xangai, também foram convocados protestos em Guangzhou, Chengdu, Hong Kong e Wuhan, a cidade do centro do país onde foi registrado o primeiro caso de covid-19 há quase três anos.
O jornal estatal Diário do Povo publicou nesta segunda-feira um texto que faz um alerta para a "paralisia" e "esgotamento" com a estratégia de "covid zero", mas sem pedir o fim da mesma.
"As pessoas chegaram a um ponto de ebulição porque não há uma direção clara para acabar com a política de covid zero", declarou à AFP Alfred Wu Muluan, especialista em política chinesa da Universidade Nacional de Singapura.