Não é mera coincidência a filiação do presidente Jair Bolsonaro ao Partido Liberal (PL) no Dia do Evangélico. Após dois anos sem legenda partidária, ele faz da ida para uma nova sigla, nesta terça-feira (30), um aceno duplo de fidelidade com vistas a 2022.
O mais evidente talvez seja o aceno ao eleitorado evangélico, que pesquisas mostram como um dos mais fiéis ao chefe do Palácio do Planalto, mesmo diante das sucessivas crises protagonizadas por ele.
A condução da pandemia de Covid-19, denúncias envolvendo seus filhos e, mais recentemente, o fator Moro, com o ex-juiz e ex-ministro da Justiça empenhado em emplacar uma imagem de presidenciável para o ano que vem, são elementos que vêm, sim, demonstrando capacidade de minar a capilaridade eleitoral de Bolsonaro em nichos que embarcaram em sua candidatura em 2018 - e é por isso mesmo que ele se apega ao que lhe garante sustentação.
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O eleitorado evangélico - que não é homogêneo, diga-se - é uma aposta da qual o presidente não abre mão. Das igrejas emergiram parlamentares que retroalimentam o fenômeno do bolsonarismo – ao se beneficiarem dele e fazê-lo durar. Com a sutileza que é característica, a campanha em templos religiosos já começou.
Por não ser homogêneo, porém, é que o eleitor evangélico está em disputa. Basta citar que, às vésperas da filiação de Bolsonaro ao PL, o ex-presidente Lula (PT) também teve um encontro com lideranças de igrejas evangélicas. Setor, aliás, do qual ele já deixou claro que quer o PT perto. A relação já foi mais próxima quando o petista governava, é verdade, mas o possível candidato, que lidera pesquisas no momento, parece disposto a tentar disputar.
Em meio a isso, a ida para um partido do Centrão que engrossa as fileiras da bancada da Bíblia no Congresso Nacional, nesta data significativa para a comunidade representada por ela, não é a primeira, tampouco será a última investida do presidente neste nicho até o ano que vem.
Ele não conseguiu ver aprovada sua indicação de ministro “terrivelmente evangélico” para o Supremo Tribunal Federal (STF) hoje (a sabatina de André Mendonça na CCJ do Senado está prevista para esta quarta-feira), mas garantiu a uma parcela da base aliada um fato político relevante para capitalizar ganhos no Dia do Evangélico.
O chefe do Poder Executivo sabe que manter influência política no nicho pode fazer a diferença em eventual tentativa de reeleição.
E por falar em Centrão, é ao bloco de partidos que garante governabilidade a Bolsonaro que ele direciona o outro aceno da filiação neste dia. Mais uma vez, nenhuma novidade.
Apesar do discurso de negação da política - e de práticas fisiológicas do sistema político brasileiro, como o outrora criticado “toma lá, dá cá” - que funcionou em 2018, o Centrão há algum tempo vem ocupando postos-chave no Governo Federal - e se fortalece no Planalto cada vez mais. Ficou claro, em um exemplo recente, no anúncio da decisão de fechar as portas do Brasil para passageiros de seis países africanos como medida de contenção da disseminação da variante ômicron do novo coronavírus no País.
Foi o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, cacique do PP, quem fez o anúncio, citando quatro ministérios, mas não o presidente.
A decisão foi tomada em conjunto e será assinada pela @casacivilbr, @MInfraestrutura, @minsaude, @JusticaGovBR . A restrição atingirá os passageiros oriundos de: África do Sul, Botsuana, Eswatini, Lesoto, Namíbia e Zimbábue.
— Ciro Nogueira (@ciro_nogueira) November 26, 2021
Não que restem dúvidas: as porteiras do Governo Bolsonaro já foram abertas ao Centrão e o próprio chefe do Executivo deixou claro que não há separação (“Eu sou do Centrão”, disse em julho quando Nogueira foi indicado para a Casa Civil), mas outros presidentes já sofreram com as instabilidades do casamento da governabilidade. Com incertezas até 2022, não basta para ele manter o bloco por perto: é preciso fazer de tudo para durar a lua de mel.
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