Está bonito para chover! É assim que dizemos no nosso Ceará quando as nuvens, tal qual um balé, se encaixam no céu até que o azul não mais brilhe diante de nossos olhos. A beleza passa a ser vista então em um céu que Érico Veríssimo chamou, em seu livro Incidente em Antares, de “céu cor de pelo de capivara”.
Mas, diferente da definição dada pelo escritor gaúcho, por estes lados, um céu prestes a se derramar em abençoada chuva não significa frieza, tampouco tristeza. A chuva é, como a própria expressão reforça, beleza, é esperança que desperta sorrisos que apontam para boas novas.
O início de 2022, porém, estreitou nossos sorrisos quando as chuvas tomaram as manchetes. De Minas Gerais, do Rio de Janeiro, da Bahia nos chegaram informações sobre tempestades, vendavais, alagamentos, riscos de deslizamentos.
Fomos, dia a dia, acompanhando imagens de dor, de desesperança, de morte. Famílias inteiras sem rumo, encharcadas nas roupas únicas e nas incertezas múltiplas sobre para onde poderiam ir. Como se volta para o que não mais existe? A beleza das chuvas se deforma quando encontra falta de planejamento urbano e injustiça social. Não é a chuva que desaloja, que mata, que destrói, que desfaz lembranças que só um lar pode criar e manter.
O que aconteceu este ano com nossos irmãos em outros estados precisa ser acolhido para além do lamento. As tragédias que desalojaram e seguem desalojando milhares precisam servir como pontos de reflexão e de reforço do compromisso de todes que trabalham e lutam pela construção de políticas públicas em todas as áreas.
Quando chega em maior volume, a chuva se torna algoz de famílias cujos direitos humanos fundamentais foram negados. Sobram encostas e áreas de risco a quem, salvo raras exceções, faltou moradia digna, acesso à educação, oportunidade de trabalho, a chance de um salário justo.
Não é à chuva a quem devemos atribuir culpas. A chuva é bênção que revela injustiças sociais. As consequências trágicas imputadas somente às condições climáticas precisam servir de alerta para um caminho que devemos seguir aperfeiçoando: o da construção de cidades economicamente justas e ecologicamente sustentáveis.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autora.