Inflação é um dos impactos imediatos da reoneração dos tributos sobre combustíveis; entenda
Projetos e serviços sociais também podem ser impactados por diferenças na arrecadação dos governos federal e estadual
As recentes onerações e desonerações de tributo relacionados aos combustíveis podem ter gerado um desequilíbrio nas contas públicas dos governos, gerando alterações nas previsões de arrecadação e possíveis gastos sociais.
Além disso, segundo especialistas consultados pela coluna, se não trabalhadas de forma moderada, as iniciativas podem acabar gerando inflação como impacto direto à sociedade.
"É interessante observar que o Estado é intermediário entre o cidadão, que paga o imposto, e aquele que se beneficia. Ou seja, o Estado, de acordo com a finalidade, ele tem que prestar serviços à sociedade, mas ele só pode prestar serviços se ele arrecadar para a própria sociedade. Então temos que ter um mecanismo arrecadatório de tributos para que se consiga gerar serviços", disse o economista Ricardo Coimbra.
O conselheiro do Conselho Regional de Economia no Ceará (Corecon-CE), ainda destacou que a desoneração de impostos federais e redução de alíquota do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) no âmbito estadual podem ter afetado a previsão de arrecadação de governos nos últimos meses.
Essas reduções têm efeito direto nas contas públicas dos entes federativos e da União, que podem ter projetos e serviços sociais afetados pelos impactos no orçamento.
"No cenário dos combustíveis, em que você tirou a tributação federal e reduziu a estadual, você gerou um desequilíbrio. Se antes se tinha uma previsão dos serviços à sociedade de acordo com a previsibilidade do que se tinha de arrecadação, e você parou essa arrecadação, você vai parar aquilo que você poderia gerar de bens e serviços", disse.
"No momento que você reordena parte dos impostos estaduais e federais, significa que você está repondo o que será necessário de receita do ente federativo para que ele possa prover a sociedade, seja educação, saúde, saneamento, e outras coisas mais", completou.
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Possível inflação
Contudo, a decisão de retornar a cobrança de impostos não é tão simples, como explicou Marcos Venicius Gondim, consultor especialista em finanças e planejamento. Ele apontou que os governos tiveram de fazer o que chamou de "uma escolha de Sofia".
Caso optassem por uma reoneração total e instantânea, poderiam agravar a pressão inflacionária para a população, mas se mantivessem a desoneração, sentiriam um impacto real em perda de arrecadação.
Segundo o consultor e membro do Instituto para o Desenvolvimento Social e Ecológico (IDese), a melhor solução para evitar um impacto maior da inflação e tentar não sofrer tanto com a perda de arrecadação e passar por problemas no financiamento de custos sociais, o ideal seria aplicar uma reoneração gradativa.
"O primeiro ponto é entender o que gera a desoneração, que foi gerada pelos efeitos da guerra da Ucrânia e pressionou os preços internacionais e gerou aumento nos preços dos combustíveis. A desoneração veio no segundo semestre do ano passado e para não aumentar a pressão inflacionária se aplicou a medida, e teve um impacto esperado", disse.
"Mas isso tem impactos. Do lado do governo vai pressionar o lado fiscal e isso tem um peso na dívida pública. O Governo fica numa espécie de escolha de Sofia, se não desonerar tem um impacto na inflação, se desonerar tem um impacto nas contas públicas. Como se resolve? Teríamos de achar uma fórmula com desoneração gradativa", completou.
Reforma tributária necessária
Esse cenário reforça a necessidade de discutir uma reforma tributária completa, de acordo com Lauro Chaves, que é professor da Uece (Universidade Estadual do Ceará) e Conselheiro Federal de Economia. Essa mudança do modelo de tributação poderia aliviar o peso da cobrança sobre combustíveis, aliviando a pressão inflacionária para os consumidores
"A tributação dos combustíveis precisa ser revista dentro da reforma tributária, onde teremos que reduzir impostos sobre consumo e aumentar a oneração de renda, lucro, patrimônio e herança. Provisoriamente, espera-se que a reforma seja aprovada ainda esse ano, mas precisamos resolver a questão dos combustíveis e como um imposto indireto incide sobre toda a cadeia produtiva de todos os setores que pesa no bolso do consumidor, recomenda-se prudência", disse.
Não podemos taxar da forma que era taxada anteriormente porque isso vai reduzir o poder de compra do trabalhador e aumentar as pressões inflacionárias e ter um efeito regressivo. Temos de ter uma reorganização fiscal para manter e expandir os programas fiscais de modo focalizado nos mais vulneráveis, completou.
Aplicação dos gastos
A perspectiva foi corroborada por Ricardo Coimbra, que destacou a importância da sociedade acompanhar o direcionamento dos recursos públicos pelos governos estadual e federal. Essa iniciativa pode ajudar a elevar o entendimento sobre o papel social dos recursos arrecadados com os tributos.
"O que se deve ficar atento, é como esses recursos são gastos, se não há ingerência. À medida que você recompõe a situação fiscal do Estado, você está gerando essa perspectiva do que estava previsto de arrecadação e empenho e gasto. Essa balança que se tem de fazer, e, na medida do possível, reduzir os gastos públicos para direcionar os recursos para aquilo que a sociedade mais necessita para não onerar a própria sociedade", disse Coimbra.
Direcionamento do Governo
Procurados para comentar sobre o direcionamento de recursos a partir da arrecadação com combustíveis, o Ministério da Fazenda e a Secretaria da Fazenda do Ceará (Sefaz) não responderam até a publicação dessa reportagem.
No entanto, vale ressaltar não haver necessariamente um direcionamento específico obrigatório desses recursos no País.