Será o Novo Ensino Médio o 'calcanhar de Aquiles' de Camilo Santana?
Pressão sobre modelo que tem sido alvo de críticas há anos deve aumentar nas ruas e no Legislativo
"Foco no mercado de trabalho", "projeto de vida" e "liberdade de escolha": não está tendo frase de efeito que contenha a pressão pela revogação do Novo Ensino Médio entre estudantes e educadores. E a conta da falta de diálogo sobre o modelo nos últimos anos está caindo no colo do novo ministro da Educação, Camilo Santana (PT). Será essa a primeira grande polêmica que Camilo enfrentará à frente do MEC?
Desde que assumiu a pasta, o ex-governador do Ceará tem sido portador de boas notícias: reajuste do Programa Nacional da Merenda Escolar, retomada de obras paradas, reajuste do piso do magistério... A cobrança pela revogação do NEM, no entanto, só teve os primeiros indícios de ser atendida nesta terça-feira (21), após conversa de Camilo com o presidente Lula.
Veja também
Nas redes sociais, Lula falou sobre a crise. "Conversei com o ministro Camilo Santana sobre o novo ensino médio. O Ministério da Educação vai fazer um debate com alunos e professores, para fazer uma nova proposta. Vamos fazer o que for melhor para os estudantes", escreveu Lula.
Antes, em entrevista ao portal "Brasil 247", o presidente disse que Camilo vai capitanear o debate e que "não vai ser do jeito que está".
"Ele vai conversar com outros sindicatos para que a gente possa estabelecer, tanto com os educadores quanto com alunas, uma nova discussão sobre o ensino médio. Ele vai mudar, e o Camilo, eu tenho certeza que vai fazer aquilo que for melhor para os estudantes", afirmou Lula.
"Diálogo"
Na quarta-feira (15), dia em que estudantes foram às ruas pressionar pela derrubada do Novo Ensino Médio, Camilo saiu em defesa do "diálogo".
"Apostamos no diálogo para reavaliação do Novo Ensino Médio. Por isso, o MEC abriu uma consulta pública, com audiências, seminários e pesquisas junto a estudantes, professores e gestores para debater a pauta de forma democrática", escreveu o ministro nas redes sociais.
Ele anunciou ainda que o MEC vai "recompor o Fórum Nacional de Educação, reintegrando entidades e movimentos populares a esse importante debate sobre o futuro da nossa educação". A fala de Camilo atende a demanda por diálogo em relação à faixa de ensino, mas não cumpre mais do que o que já deveria ser obrigação de um governo.
O educador e cientista político Daniel Cara foi um dos que rebateram Camilo nas redes sociais, elecando medidas que o MEC poderia acatar sem delongas sobre o Novo Ensino Médio.
"Revogar a Portaria 521/2021, que estabelece o Cronograma Nacional de Implementação do Novo Ensino Médio (NEM), determinado pelo Governo Jair Bolsonaro; Suspender completamente as mudanças no Enem previstas para 2024. O objetivo é não submeter o ENEM ao NEM, cristalizando a Reforma; Enviar ao Congresso Nacional um Projeto de Lei para substituir o equívoco dos itinerários formativos por áreas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A orientação é implementar as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio de 2012, nunca efetivadas. Fazer isso é demonstrar boa vontade. Aqui está uma proposta clara", escreveu o pesquisador.
Em outra frente, na Câmara dos Deputados, foi protocolado um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 78/2023, que busca sustar os efeitos da portaria que criou o Novo Ensino Médio.
Entenda o Novo Ensino Médio
O Novo Ensino Médio é um modelo obrigatório a ser seguido por todas as escolas do país, públicas e privadas. Sancionado em 2017 no Governo Temer, entrou em vigor ano passado e tem implementação prevista até 2024, quando impactará também sobre o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
No ano passado, disciplinas tradicionais passaram a ser agregadas em "áreas do conhecimento". Por exemplo, em vez de "biologia, física e química", os estudantes tratam de "Ciências das Natureza e suas Tecnologias". Em 2023, cada estudante passou a poder montar seu próprio ensino médio, escolhendo as áreas em que quer se aprofundar, os chamados "itinerários formativos".
Cada rede de ensino distribui a carga horária dos itinerários formativos na forma como decidir, tudo no primeiro ano, ou divido pelos três anos, por exemplo. A inserção de disciplinas optativas tem feito História, Sociologia e Filosofia perderem espaço para matérias como "Brigadeiro Caseiro" e "O que rola por aí", nada perto do que se dizia ser uma "revolução em sala de aula".
Língua Portuguesa e Matemática seguem obirgatórias, mas não há um regra sobre o mínimo de aulas dessas disciplinas que devem ser ministradas. Se antes, o Ensino Médio era visto como uma preparação para o Ensino Superior, o foco agora, segundo os defensores, é o mercado de trabalho.
A reforma do Ensino Médio tem incomodado estudantes, pais e educadores por ter aprofundado a desigualdade na área educacional, estabelecido um modelo de ensino menos reflexivo, favorecido redes privadas e precarizado a atividade docente pela falta de preparado e de estrutura física que, não de agora, é um problema.
"Não é questão de revogar"
No começo deste mês, Camilo já tinha defendido que "não é questão de revogar". Não adianta alimentar expectativas de que o Governo Federal vá mexer no assunto sem uma grande pressão nacional. Os movimentos desta semana já são resultados do calor entorno do tema nos últimos dias.
Os "problemas" do Ensino Médio que pautaram a reforma, movimentados por frases como "estudantes não gostam da escola" ou "o ensino precisa ser atrativo", não se resolvem com ações simplistas como disciplinas sobre "Mundo Pet". Escola atrativa é aquela com infraestrutura adequada, profissionais bem remunerados e atendida por políticas públicas de permanência estudantil na educação básica.
A cobrança ao MEC, ainda que passe pelo diálogo, é por uma ação que não se materializou em relação ao tema nos últimos anos. É uma herança dura dos outros governos e que poderá ditar os rumos políticos de Camilo Santana como figura nacional.