O que acontece agora com a suspensão do piso da enfermagem?

Novos salários da categoria estão com aplicação suspensa após questionamento no STF sobre segurança jurídica e financeira do piso

Legenda: Piso da salarial da enfermagem deveria ter entrado começado a ser pago em 5 de setembro
Foto: Divulgação/Governo do Ceará

A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votou por manter a suspensão da lei que criou o piso salarial da enfermagem até que sejam analisados impactos da nova lei no orçamento de estados, municípios e entidades públicas e privadas, além dos reflexos na qualidade da prestação dos serviços de saúde.

O julgamento no plenário virtual se encerrou na quinta-feira (15), com placar de 7 x 4.

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Dessa forma, os salários de enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem e das parteiras não sofrerá mudanças pelo prazo de, pelo menos, 60 dias, enquanto durar a atual decisão pela suspensão. 

Para os entes públicos que já aplicaram a lei, como é o caso da Prefeitura de Tauá, a legislação trabalhista não permite regressão de vencimentos. 

Quando entra em vigor o piso da enfermagem

Até que seja cumprido o julgamento no STF, a efetivação do piso não é obrigatória. 

Na decisão de Barroso, ele pontua, no entanto, que, "naturalmente, as instituições privadas que tiverem condições de, desde logo, arcar com os ônus do piso constante da lei impugnada, não apenas não estão impedidas de fazê-lo, como são encorajadas".

A nova lei prevê que enfermeiros de todo o país, contratados em regime de CLT, terão de receber, no mínimo, R$ 4.750 mensais. Já o piso de técnicos de enfermagem será de R$ 3.325; e o de auxiliares e de parteiras, R$ 2.375.

Como votaram os ministros do STF

Quem votou para suspender o piso salarial:

  • Luís Roberto Barroso (relator)
  • Ricardo Lewandowski
  • Alexandre de Moraes
  • Dias Toffoli
  • Cármen Lúcia
  • Gilmar Mendes
  • Luiz Fux

Quem votou a favor do piso salarial:

  • André Mendonça
  • Nunes Marques
  • Edson Fachin
  • Rosa Weber

Seis ministros do STF acompanharam o voto e a decisão liminar do relator da Ação Direta de Constitucionalidade (ADI 7222), apresentada pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde), questionando a segurança jurídica da proposta.

Na decisão liminar, o ministro afirmou ser plausível o argumento de que o Legislativo aprovou o projeto e o Executivo o sancionou sem cuidarem das providências que viabilizariam a sua execução, como, por exemplo, o aumento da tabela de reembolso do SUS à rede conveniada.

Barroso deu prazo de 60 dias para que entes públicos e privados informem o impacto financeiro do piso salarial, assim como os riscos para a empregabilidade na área e a possibilidade de eventual redução na qualidade dos serviços prestados na rede de saúde.

Luís Roberto Barroso, ministro do STF e relator da ADI que questiona o piso da enfermagem
Legenda: Luís Roberto Barroso, ministro do STF e relator da ADI que questiona o piso da enfermagem
Foto: Agência Brasil

Desde o início da discussão, entidades do setor e do poder público alertaram para o efeito desse piso para o atendimento de saúde. A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) calcula uma despesa de R$ 9,4 bilhões para as prefeituras.

Autor do voto que deu maioria à suspensão, o ministro Gilmar Mendes, decano da Corte, disse que "não se pode perder de vista os eventuais efeitos perversos que a lei, cheia de boas intenções, pode produzir na prática".

"É evidente o estado de penúria pelo qual atravessam alguns estados e municípios brasileiros e a dependência significativa desses entes em relação aos Fundos de Participação dos Estados e Municípios, para o atendimento de suas despesas básicas. Nesse contexto, é preocupante o resultado que medidas normativas como essas podem vir a gerar"
Gilmar Mendes
Ministro do STF

Votos contrários no STF

Quem abriu a divergência ao relator foi o ministro André Mendonça. Em seu voto, ele ressaltou o papel dos poderes Legislativo e Executivo e disse que a suspensão deve avaliar a "conveniência política". 

"É preciso que se verifique, no caso concreto, (...) a 'conveniência política da suspensão da eficácia' do ato normativo questionado, considerando, sobretudo, a deferência que a Corte Constitucional deve ter, em regra, perante as escolhas e sopesamentos feitos pelos Poderes Legislativo e Executivo", defendeu.

A ministra Rosa Weber, que também acompanhou a divergência, destacou também a fonte de financiamento.

"Como dito, o piso salarial não institui nenhuma despesa, cuida-se de mero valor referencial. A fonte de receitas necessária a sua implementação deverá ser indicada na legislação interna que vier a ser editada em cada ente federativo, não na própria lei federal instituidora do piso"
Rosa Weber
Ministra do STF

O julgamento no plenário virtual do STF é um formato que permite aos ministros apresentar os votos diretamente na página da Corte na Internet, sem a necessidade de discussão em sessão presencial ou por videoconferência.

Entenda a aprovação do piso

O piso salarial da enfermagem foi proposto pelo senador Fábio Contarato (PT) e teve tramitação finalizada no Congresso Nacional em maio deste ano. 

Em 14 de julho, o Congresso promulgou a Emenda Constitucional (EC) 124 para possibilitar que o piso fosse instituído sem questionamentos na Justiça, já que não cabe ao Legislativo tratar de remunerações profissionais. Só em 4 de agosto foi sancionada a respectiva norma, a Lei 14.434, de 2022.

Ação contra o piso da enfermagem

O STF avalia uma Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pela CNSaúde, alegando vícios de inconstitucionalidade diante da tramitação no Congresso Nacional e também por "efeitos práticos adversos".

Em todo país, a aplicação do piso praticamente não avançou diante do questionamento da CNSaúde. No Ceará, desde a sanção, apenas a Prefeitura de Tauá institui em lei municipal o novo piso. 

No Ceará, diferentes entidades têm se mobilizado nas ruas para pressionar pela aplicação da lei.

O relator e autor da liminar que suspendeu o reajuste, Roberto Barroso já disse que a instituição de um piso salarial nacional da enfermagem é muito justa e que está empenhado em viabilizá-la. Porém, para que o piso possa ser concretizado, o ministro considera ser necessário construir uma fonte de custeio.

Neste mês, o STF acatou o pedido da Frente Parlamentar da Enfermagem, presidida pelo deputado cearense Célio Studart (PSD), para entrar no processo na condição de amicus curiae (amigo da corte). O grupo conta com mais de 200 parlamentares e poderá se manifestar no processo.