Ataques a Jade Romero mostram como reação é desigual quando é uma mulher que critica na política

Governadora em exercício, Jade foi chamada de "menino de recado" por vereadores do PDT após fazer comentário sobre Roberto Cláudio

Legenda: Jade Romero, governadora do Ceará em exercício
Foto: Thiago Gadelha

Os vereadores da Câmara Municipal de Fortaleza subiam à tribuna da Casa nesta terça-feira (5) para tratar de questões da cidade, como saneamento básico, Plano Diretor e políticas de primeira infância, quando a governadora do Ceará em exercício e secretária das Mulheres, Jade Romero (MDB), apareceu como pauta no discurso de Lúcio Bruno (PDT) e, pouco depois, de Adail Júnior (PDT).

Há poucos dias, em entrevista ao jornal O Povo, Jade criticou o ex-prefeito Roberto Cláudio (PDT), dizendo que ele faria com o atual prefeito, José Sarto (PDT), "o mesmo que fez" com a ex-governadora Izolda Cela (sem partido). A disputa pela indicação da candidatura ao Governo do Ceará dentro do PDT, em 2022, foi marcada pela queda de braço entre Roberto Cláudio e Izolda, que resultou em um racha político histórico. Tal crise reverbera até hoje.

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Os vereadores chamaram Jade de "menino de recado" e de "garganta de aluguel". Questionaram "de onde saiu Jade Romero para hoje estar exercendo um cargo de maior (peso) político do Estado". Usaram expressões até mesmo como: "Então, cuidado, governadora" e "Alguém avise pra essa governadora". Colocaram os quatro anos de Jade como secretária da gestão de Roberto Cláudio como uma espécie de "dívida" com o ex-prefeito que a impossibilitasse de qualquer crítica posterior.

"Vossa Excelência está fazendo com Roberto o que vossa excelência pode fazer com Elmano de Freitas. Lá no Antônio Bezerra tem uma frase: 'Elmano, diz-me com quem andas que eu direi quem tu és'. Vossa excelência tem hoje uma vice-governadora que passou 4 anos sendo secretária de participação social do Governo Roberto Cláudio, não deu nem pra fazer a digestão. E na primeira oportunidade a senhora sai com uma frase dessas, uma frase infeliz, enquanto a senhora podia ter o direito de pedir desculpas", disse Adail.

A compreensão do episódio e as tentativas de defender o ponto de vista a ou b sobre ele não deveriam, de certo, resultar numa sequência de ataques à mulher que ocupa o maior cargo político do Estado no momento (nem a qualquer outra, por óbvio).

Os ataques político-eleitorais têm sido uma constante no cenário do Estado desde 2022, não houve trégua entre períodos eleitorais. Mas ataques a figuras femininas da política não podem ser medidos pela mesma régua da tradicional política feita por homens. 

Ao longo da história, as mulheres foram afastadas da rotina política, uma arena ocupadas por homens. Apesar dos avanços da representatividade, estamos longe de uma paridade e de uma dinâmica que reconheça as mulheres como iguais. O desequilíbrio é evidente especialmente quando vemos a dignidade e a trajetória das representantes mulheres se tornarem rapidamente alvo de ataque.

Por ser mulher, no discurso dos vereadores, tenta-se colocar a governadora à mercê dos movimentos políticos de outras mulheres, como Izolda Cela e a deputada federal, ex-prefeita de Fortaleza e pré-candidata, Luizianne Lins. Lúcio Bruno acusou Jade de usar Izolda "como escudo" e questionou se, em um futuro desconhecido, ela defenderia Luizianne, que disputa a indicação de candidata à Prefeitura de Fortaleza pelo PT em 2024. 

"Quando Izolda Cela falou mal de Roberto Cláudio para ela vir usar Izolda como escudo, para proteger a sua fala enquanto mulher? Será que ela vai defender o nome de Luizianne por ser mulher guerreira, por ser batalhadora?", disse o pedetista. Colocar mulheres umas contras as outras é uma estratégia velha conhecida da sociedade em que vivemos.

Tem um ponto básico nisso tudo que diz respeito à voz política da governadora. À menor declaração inserida numa disputa de poder, para além de tratar de políticas públicas, vê-se uma tentativa de descredibilizar e minimizar a inserção que uma mulher faz nessa arena. Não é igual, não é normal. E é no exercício de nos darmos conta disso que poderemos construir um ambiente político que não seja desproporcionalmente hostil para as mulheres.