Por que a australiana Fortescue ainda não decidiu sobre o investimento em hidrogênio verde no Ceará?
Multinacional foi a primeira a assinar Memorando de Entendimento (MoU) para projeto de hidrogênio verde no Estado

A multinacional australiana Fortescue foi a primeira a assinar um Memorando de Entendimento (MoU) para um projeto de hidrogênio verde no Ceará em 2021 e também a primeira a firmar pré-contrato.
Apesar de ser a mais avançada na corrida pelo H2V e de recentemente o CEO global da empresa, Andrew Forrest, ter se reunido com o vice-presidente Geraldo Alckmin e com o governador do Ceará, Elmano de Freitas para tratar dos planos da Fortescue para o Estado, a decisão final de investimento ainda não foi tomada.
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O country manager (gerente no Brasil) da Fortescue e presidente do conselho da Associação Brasileira da Indústria de Hidrogênio Verde (ABIHV), Luis Viga, explica que há muitos detalhes envolvidos na chegada a uma decisão de investimento “em uma indústria nova e com projetos dessa magnitude”.
“Requer muito tempo trabalhando, tem envolvimento com bancos, empresas de engenharia, tecnologia. Tudo isso é trabalho de bastidor”.
“Tudo está indo conforme o esperado. A conversa que a Fortescue teve com o vice-presidente foi para mostrar nossa intenção, mostrar que o nosso projeto é o mais avançado”, diz ele em conversa com a coluna.
A usina de hidrogênio verde a ser construída pela Fortescue no Porto do Pecém deve ter investimento de R$ 18 bilhões. Viga explica que a multinacional é a única (das que preveem investimentos em H2V) a ter gente trabalhando no Pecém, seja preparando o terreno onde ficará o projeto, “seja no mar, fazendo coletas para informações sobre o bioma marinho”.
Para ele, o fato de muitos desses processos ocorrerem “nos bastidores” dá uma certa “mística” de que alguns projetos, como o da Fortescue, não estariam avançando. “De repente alguns estão mais lentos que outros”, afirma.
Mas o que é preciso para uma decisão como essa?
Dada a magnitude do aporte, Viga elenca alguns pontos que aceleram essa tomada de decisão final em um projeto de hidrogênio verde.
"Primeiramente é engenharia. A empresa precisa entender muito bem o seu custo, não é de uma casa pré-moldada que estamos falando, mas sim de um investimento bilionário. No caso do hidrogênio verde, é preciso desenvolver o mercado consumidor".
Além dessa questão, ele detalha que no caso do H2V no Ceará, há alguns desafios. “O desafio da conexão está sendo resolvido. Houve um trabalho sensacional do governador Elmano de Freitas, com interlocução para a conexão no Pecém”.
Em abril deste ano, a Fortescue teve o acesso à rede elétrica negado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), o que impede o abastecimento da planta com energia renovável para a produção do combustível verde. O mesmo aconteceu com a Voltalia e com a cearense Casa dos Ventos.
“Esse é um dos fatores (que pesa na decisão final de investimento). Se você não tiver a tomada para ligar sua planta de hidrogênio verde, não tem como. Contudo, o que a gente está vendo enquanto investidor é um trabalho bem feito e árduo para isso. Desafio sempre vai ter”, enfatiza Luis Viga.
A diretora de Meio Ambiente do Sindicato das Indústrias de Energia e de Serviços do Setor Elétrico do Estado do Ceará (Sindienergia-CE) e CEO da HL Soluções Ambientais, Laiz Hérida, também afirma que há avanços significativos nas etapas de planejamento e desenvolvimento técnico das empresas, mas que a decisão final de investimento permanece um desafio.
Ela corrobora que as negativas do ONS evidenciam limitações na capacidade de transmissão e integração dos grandes projetos ao sistema existente. “Essas dificuldades geram insegurança quanto ao momento adequado para a conexão, além de impactar na viabilidade econômica e operacional”, reforça Laiz.
Além disso, outros desafios mencionados por ela se referem à escalabilidade da demanda por H2V. “A escalabilidade da demanda e a infraestrutura de suporte ainda estão em processo de planejamento ou implementação, o que impacta diretamente na percepção de viabilidade de longo prazo”
Lei do Hidrogênio Verde
O country manager da Fortescue e presidente do conselho da ABIHV destaca ainda que a regulamentação do marco legal do hidrogênio verde é outro ponto fundamental para acelerar o setor.
“Precisamos de um decreto regulamentando. É muito importante que a indústria seja parte desse processo, porque às vezes a gente faz um plano bom que não funciona bem, na prática”, observa o executivo.
“O Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono vai ajudar muito a diminuir a diferença de preço entre o hidrogênio verde e o hidrogênio cinza”, afirma Luis Viga.
Laiz Hérida avalia que a ausência de um marco regulatório consolidado para o setor também representa um aspecto crucial quando se trata das decisões finais de investimento das empresas.
“A falta de regras claras, incentivos definidos e garantias jurídicas cria um ambiente de incerteza que desestimula investimentos de maior porte”.
“A ausência de um quadro regulatório robusto implica na ambiguidade sobre benefícios fiscais, tarifas de uso do sistema elétrico, contratos de compra e garantias ambientais, fatores que, juntos, aumentam o risco percebido pelos investidores e, consequentemente, atrasam a decisão final”, detalha a diretora de Meio Ambiente do Sindienergia-CE.