Apicultora do sertão do Ceará vendia produção em hospital e hoje leva mel cearense para o mundo

Dina Pereira criou, em 2022, a Flor da Aurora, negócio de mel gourmet e cosméticos naturais a partir do mel

Escrito por
Ingrid Coelho ingrid.coelho@svm.com.br
Legenda: Dina Pereira esteve expondo e comercializando os seus produtos durante a PEC Nordeste 2025
Foto: Ingrid Coelho

Assim como há flores que brotam e vingam nos solos mais adversos possíveis, há negócios que prosperam nas situações mais impensáveis. Dina Pereira, que há cerca de três anos produz mel gourmet e cosméticos a base de mel, sabe bem o que é florescer mesmo quando as dificuldades parecem sufocar.

Assim nasceu a marca Flor da Aurora, lhe fazendo enxergar propósito quando tudo parecia não ter jeito. Na época, Dina lutava contra depressão e chegou a tentar suicídio quando sua filha, Aurora, musa inspiradora do negócio, tinha apenas seis meses.

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“Durante a gestação, fui diagnosticada com uma série de problemas e tinha também a depressão. O médico falou que a depressão pós-parto seria inevitável”, revela a empreendedora.

Quando Aurora nasceu, o prognóstico médico se confirmou. “Tentei suicídio, a criança estava com seis meses, mas Deus me deu uma segunda chance. Foi quando eu entendi o que a depressão estava fazendo comigo”.

“A partir daquele momento, decidi me reerguer. Iniciei a graduação em Marketing, buscando o que fazer da vida, pois sempre fui muito agitada. Eu queria fazer algo que animasse o meu coração, que viesse de dentro, que fosse feito não só por dinheiro, mas com amor e que me desse um propósito. Naquele momento, eu precisava de um propósito”, afirma Dina.

Pandemia e depressão

Até que veio a pandemia e o medo de uma piora da depressão bateu à porta. “Fiz cursos de pipoca gourmet, peças de gesso para vender, blusas, jardinagem, mas nada me dava satisfação”.

“Um dia eu precisei desenvolver um plano de negócio, criando uma empresa para uma disciplina no curso de Marketing. O meu marido já era apicultor e sugeriu que eu fizesse um trabalho relacionado ao mel, mas eu disse: 'não quero acordo com abelha’”, compartilha Dina.

Apesar da negativa, a ideia continuava ali. Até que, ficando sem tempo para pensar em um projeto para a cadeira da faculdade, Dina cedeu e resolver fazer algo relacionado à apicultura. “Fui aprovada na disciplina e fiquei com aquilo em mente. Pensei: ‘depois da pandemia, isso vai ser um sucesso’”.

Imagem mostra uma mulher chamada Dina Pereira com os produtos de sua marca, Flor da Aurora
Legenda: O negócio ajudou Dina a ter um senso de propósito, o que segundo ela foi fundamental para lidar com a depressão
Foto: Ingrid Coelho

Foi quando Dina resolveu pesquisar mais sobre as possibilidades. Em seus estudos, percebeu que o nicho de cosméticos a base de mel natural ainda era pouquíssimo explorado e que a apicultura tinha muito espaço para se desenvolver em Madalena, cidade a cerca de 180 quilômetros de Fortaleza, no sertão do Ceará.

“Era um nicho pouco explorado. A maioria dos apicultores tem uma mentalidade muito voltada para a comercialização, não tem essa visão de empreendedorismo. Então eu comecei em casa, testei nos meus filhos, o meu filho mais velho é muito alérgico, tem uma pele muito sensível, e se deu muito bem”, detalha Dina.

A partir dessa experiência e do desejo de fazer o negócio se destacar, Dina buscou se aprimorar. Fez um curso de cosmetologia natural e, posteriormente, faculdade de Gestão do Agronegócio, onde teve contato com a cadeira de apicultura. “As coisas estavam fluindo, eu estava encontrando cada vez mais propósito”.

O problema de saúde do esposo

Quando tudo parecia bem, um problema de saúde na família chacoalhou os planos para a Flor da Aurora. “Meu marido começou a sentir dores nas costas, fazíamos testes de Covid e nada. Até que o médico pediu uma radiografia do tórax e, quando o médico viu o resultado, me ligou e disse que precisaríamos ir para o hospital com urgência, pois o caso dele era muito grave e cirúrgico”.

No hospital, dúvidas e medo. O marido de Dina, o apicultor e funcionário público Luiz Gonzaga, descobriu somente em 2023, aos 46 anos, que nasceu com uma condição rara e, até então, silenciosa: uma coarctação na aorta. “O médico disse: ‘o seu marido é uma bomba-relógio’”.

Imagem mostra uma mulher chamada Dina Pereira e o esposo, Luiz Gonzaga, com os produtos da marca Flor da Aurora
Legenda: Dina e o esposo, Luiz Gonzaga, que ficou internado durante 70 dias. Nesse período, a empreendedora buscava vender os seus produtos no hospital mesmo
Foto: Ingrid Coelho

Ao todo, foram 70 dias no hospital. Internação, cirurgias e o medo de que Luiz Gonzaga não sobrevivesse. Paralelamente a isso, Dina, que o acompanhou durante todo esse período, não podia trabalhar.

Sem recursos, Dina teve a ideia: pegou toda a sua produção a partir do mel de abelha e foi vendendo dentro do hospital. Médicos, enfermeiras compravam os produtos e a renda ajudava a manter o básico.

“As pessoas chegavam na minha casa levando um saco de arroz, um feijão, um macarrão, R$ 50 para comprar o lanche dos meus filhos. Vinha um vizinho e pedia para pagar minha luz, meu papel da água”, recorda, com gratidão.

Da bondade dos vizinhos e amigos também veio a força para persistir no sonho de ver o mel de Madalena fazer sucesso. “Eu era grata por tudo aquilo, por ter quem ajudasse, mas eu não queria aceitar. Disse para mim mesma: ‘é agora que ou eu cresço, ou eu caio’”.

Apoio e participação em feiras

Dina entrou em contato com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), “que a abraçou naquele momento”. “E aí a gente já começou a fazer pesquisa de marca para registrar. Começamos a mudar a estética, a identidade visual, a melhorar o produto”.

No auge das dificuldades financeiras e com a saúde do marido ainda debilitada, Dina chegou a receber ofertas para que vendesse o apiário, que abrigava as abelhas e onde Luiz Gonzaga exercia o ofício de apicultor. Tentavam convencê-la de que, “por ser mulher, ela não ia conseguir trabalhar com as abelhas”.

Imagem mostra os produtos a base de mel da marca Flor da Aurora
Legenda: Produtos já foram expostos em várias feiras e eventos, incluindo fora do país, no Canadá, em Portugal e nos Emirados Árabes
Foto: Ingrid Coelho

“Você não sabe o que está fazendo”, ouvia Dina. Isso, de acordo com ela, também a fortaleceu para seguir com o desejo. A mulher que “não queria conversa com abelha” respirou fundo e encarou o apiário, “sem sequer saber colocar um Equipamento de Proteção Individual”.

Com o desejo imparável de sair daquela situação financeira difícil e com o propósito em mente, Dina seguiu. "Não tinha dificuldade que me parasse. Foi dando certo e, em 2023 recebemos convite para nossa primeira PEC Nordeste".

Naquele ano, ela terminou a produção às 3h30 da manhã, colocou tudo em um carro de lotação e seguiu de Madalena rumo a Fortaleza.

"E foi incrível. A PEC Nordeste funcionou para nós como uma vitrine que nos deu acesso ao mundo. A partir do evento, fomos convidados para rodas de conversa, palestras, feiras. Agarrei aquela oportunidade e, em seis meses, fizemos 18 feiras".

Nas feiras, as vendas eram boas. Mas Dina queria mais do que "cair no ciclo de produzir e vender nas feiras". Queria fazer grandes negócios, queria mostrar a apicultura cearense para outros países, desenvolver a atividade para além das suas vendas.

"Eu estudei mais ainda para fazer a empresa crescer. Aí descobri o edital Elas Globais do Sebrae, que contemplava 12 mulheres empreendedoras e eu fui uma delas. Fui mostrar meus produtos em Portugal e voltei com uma outra visão de mercado, com ainda mais propósito: levar a apicultura para o mundo", pontua a empreendedora, que também em 2023 foi contemplada com o Prêmio Sebrae Mulher de Negócios em terceiro lugar.

Outros editais vieram e lá estava Dina, se aperfeiçoando, estudando e conhecendo novas oportunidades: Canadá em 2024, em um outro edital, e até mesmo Emirados Árabes Unidos. Em setembro, Dina levará o mel cearense para a Feira Mundial da Apicultura, na Dinamarca, graças a um edital da Apex Brasil.

Na PEC Nordeste 2025, da qual participou expondo e vendendo seus produtos, a Flor da Aurora foi ainda reconhecida como um dos cinco melhores méis do Nordeste na categoria Abelha Nativa (sem ferrão).

imagem de dina pereira em feira no canadá
Legenda: Dina Pereira em feira no Canadá
Foto: Arquivo pessoal

Produtos da Flor da Aurora

Atualmente, a Flor da Aurora possui cinco cosméticos, registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa): espuma, sérum, shampoo, condicionador e gloss labial. Além disso, há o mel gourmet, que são quatro sabores: mel com mix de amêndoas, mel com pimenta calabresa, mel com laranja desidratada e mel premium, usados na culinária.

Hoje, Madalena conta com 108 apicultores. A produção de Dina e Luiz Gonzaga é de mil quilos de mel/ano.

“Os apicultores da cidade estão começando a nos ver como inspiração, observando que o mel oferece um leque de possibilidades. Outras mulheres também tem começado a entrar na apicultura com essa visão da produção de cosméticos”, diz, arrematando que, em 2027 a meta é dobrar a produção e continuar se estruturando para exportar os produtos. “Com muito orgulho, de Madalena para o mundo”.

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