Sem Jair, disputa entre Michelle e os filhos do ex-presidente tende a dividir o bolsonarismo

Episódio ocorrido no Ceará não foi o primeiro em que a ex-primeira-dama demonstrou que não vai ficar a reboque dos enteados

Escrito por
Inácio Aguiar inacio.aguiar@svm.com.br
(Atualizado às 14:48)
Legenda: Michelle transformou o lançamento da pré-candidatura de Eduardo Girão no Ceará em um acontecimento político nacional
Foto: Fabiane de Paula

As repercussões da crítica pública feita por Michelle Bolsonaro ao deputado André Fernandes, durante o lançamento da pré-candidatura de Eduardo Girão ao Governo do Ceará, escancararam as dificuldades da oposição em construir uma unidade, seja no Estado ou na corrida presidencial. O episódio, ocorrido em Fortaleza, não é apenas uma rusga interna do PL. Ele revela divisão no bolsonarismo com potencial de afetar as negociações para a sucessão de Elmano e Lula, ambos do PT. 

As fortes declarações de Michelle mostram que, no Ceará, mesmo sob a chancela dos filhos de Jair Bolsonaro, a base conservadora demonstra resistências, especialmente quando o nome mais viável da oposição, Ciro Gomes, entra em cena como possível aliado. 

A ex-primeira-dama, mesmo que tenha feito um pedido de desculpas aos enteados, deixou claro que qualquer aproximação com Ciro, que para ela personifica antagonismo ao bolsonarismo, seria uma afronta direta aos valores da direita.

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Ao repreender aliados do PL cearense por cogitarem uma aliança com o ex-ministro, Michelle subiu o tom e deu voz a um incômodo em parte da base bolsonarista, que enxerga com desconfiança os movimentos pragmáticos de André Fernandes e aliados.  

A fala incisiva de Michelle não foi o primeiro sinal desta posição dela e de seu grupo mais conservador. Em setembro passado, a ex-primeira-dama realizou um evento em Brasília para lançar o nome da vereadora Priscila Costa como pré-candidata ao Senado pelo PL. Aquele era o início de um embate interno no partido que já havia consolidado o nome do pai de Fernandes, o pastor Alcides, como pré-candidato ao cargo, dito, inclusive, pelo próprio Bolsonaro. 

 Conforme analisamos nesta Coluna, muito mais do que um posicionamento local, aquele era um sinal de que Michelle, com um capital político no segmento conservador e evangélico, não ficaria a reboque dos enteados na construção do campo político para 2026. A missão de enquadrá-la não será simples. 

Episódio reforça também o impasse nacional 

No plano nacional, o episódio também tem implicações amplas: mostra o aprofundamento do racha dentro da família Bolsonaro. Os filhos do ex-presidente rapidamente saíram em defesa de Fernandes e atacaram Michelle, revelando uma crise de liderança no clã. 

Sem Jair Bolsonaro, preso e ausente do debate público, a disputa por protagonismo dentro do bolsonarismo deixou de ser apenas ideológica, virou também uma guerra de narrativas e espaço político. A nota pública de Michelle tentando amenizar a crise não conseguiu conter a percepção de que há um “salve-se quem puder” no entorno do ex-presidente. 

O movimento de Michelle é estratégico. Ela tenta se consolidar como figura autônoma dentro da direita, especialmente entre o eleitorado evangélico e conservador, que ainda guarda fidelidade ao bolsonarismo raiz.  

A ex-primeira-dama tem multiplicado agendas próprias, ampliado sua visibilidade e, ao que tudo indica, ensaia a construção de uma candidatura nacional com base em sua imagem pública e capital moral. O episódio no Ceará foi mais um sinal de que ela não pretende se submeter ao comando político dos filhos do marido. 

Desafio é o alinhamento para 2026 

Para 2026, o recado é evidente: sem Jair Bolsonaro como liderança aglutinadora, a direita corre o risco de ir dividida para a disputa presidencial. As divergências internas, escancaradas em um palanque nordestino, indicam que o campo de oposição a Lula pode chegar ao pleito fraturado, com múltiplas candidaturas e discursos desalinhados.  

O episódio de Fortaleza é só o começo de uma disputa maior pelo espólio político do ex-presidente.