Já faz três semanas que o medalhista Maurício Souza, no seu perfil de Instagram, criticou a escolha de um bissexual para ser herói da DC Comics, fazendo surgir algumas dúvidas jurídicas.
Para começo de conversa, a liberdade de opinião não é infinita, nem há direito no mundo que não seja limitado. Isso é o básico em Direito. Se todas as liberdades fossem infinitas não haveria convivência.
Como diz faz mais de vinte anos a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), aqui apenas mais um dentre uma miríade de exemplos na ciência ocidental, “os direitos e garantias individuais não têm caráter absoluto”, justamente para “assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros” (MS 23.452, Rel. Min. Celso de Mello, j. 16-9-1999, P, DJ de 12-5-2000).
Veja também
Natural também lembrar que o Código Penal registra como crimes atitudes que usam como veículo a fala das pessoas, como apologias criminosas (Arts. 287 e 218-C), calúnia (art. 138), difamação (art. 139) e injúria (art. 140), que pode ser racial e homofóbica inclusive, além da incitação a discriminação ou preconceito, prevista no art. 20 da Lei 7.716/89.
Outrossim, a própria Constituição Federal proclama que é indenizável a violência moral, à honra ou à imagem (art. 5.º, V e X), que as pessoas são iguais (art. 5.º, caput e inciso I) e que é fundamento da República Federativa do Brasil a Dignidade da Pessoa Humana. Isso tudo demonstra também a limitação da liberdade de opinar ou, pelo menos, o cuidado que se deve quando se emite uma opinião.
Como já disse aqui, o direito de ser imbecil assiste a mim e a ele, e apenas os excessos é que serão puníveis. O art. 20 da Lei 7.716/89 pune quem pratica, induz ou incita a discriminação, e é necessário estudar o que Maurício disse, legendando a foto de um beijo gay:
“A(sic) é só um desenho, não é nada demais. Vai nessa que vai ver onde vamos parar...”
Traduzindo, acima Maurício externou que acha a homossexualidade uma condição humana:
Para os que entendem que a opinião homofóbica de Maurício não pode ser punida conforme artigo acima – eu incluído -, o jogador de vôlei não praticou, nem induziu, nem incitou a discriminação diretamente.
Também não foi a intenção do legislador punir os que, não gostando de homossexuais, acreditam que estes são conspiradores geniais e dizem isso publicamente.
Assim, não haveria tipicidade, que é a estrita adequação, sem margem de dúvidas, de um ato praticado pelo agente com as características que o enquadram na norma descrita como crime.
Faz alguns séculos que Cesare Beccaria iluminou o mundo dizendo que é direito de todos pagar especificamente pelo crime que cometeu, nem mais nem menos, e que cada delito tem pena maior ou menor em proporção à sua gravidade, por mais injusta ou abominável que seja a pessoa. Nada é mais iluminista, elevado e democrático que isso.
Já os que advogam a punição criminal do atleta, entendem que nada é mais poderoso para incitar a discriminação do que dizer, como de fato ele disse, que a homossexualidade é algo abjeto ou pelo menos errado; e que nenhuma prática induz mais discriminação do que fazer as pessoas acreditarem que há uma conspiração gay para “convencer” crianças a mudar a orientação sexual.
Veja também
Inegável é que a conduta do Sr. Maurício é, no mínimo, imoral, e apresento parâmetros para dizer isso.
No parâmetro constitucional – a CF/88 é, sim, uma obra com valores:
"O entendimento de que a veiculação de imagens homoafetivas é ‘não corriqueiro’ ou ‘avesso ao campo semântico de histórias de ficção’ reproduz um viés de anormalidade e discriminação que é atribuído às relações homossexuais. Tal interpretação revela-se totalmente incompatível com o texto constitucional e com a jurisprudência desta Suprema Corte, na medida em que diminui e menospreza a dignidade humana e o direito à autodeterminação individual. A situação posta nos autos suscita relembrar que a orientação sexual e a identidade de gênero devem ser consideradas como manifestações do exercício de uma liberdade fundamental, de livre desenvolvimento da personalidade do indivíduo, a qual deve ser protegida, afastado o preconceito ou de qualquer outra forma de discriminação." (STF, RCL 36742 MC / RJ)
No parâmetro kantiano, traduzido simploriamente como “não fazer ao outro o que não deseja que façam a você”, resta seguro e sem sombra de dúvidas que, por exemplo, evangélico nenhum gostaria que sua condição fosse chamada de 1. abjeta ou errada, 2. influenciável e 3. que há um conspiração, usando até mesmo histórias em quadrinhos, para tornar as crianças assim. Pode até ser permitido – e eu advogo que é -, mas persiste injusto, grosseiro e avesso aos valores civilizatórios e constitucionais de diversidade.