Justiça suspende normas que obrigavam divulgação de transparência salarial entre homens e mulheres

Empresas questionam na Justiça Federal regulamentação da Lei de Igualdade Salarial que obriga a divulgação de relatórios de transparência e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres

Legenda: A Lei de Igualdade Salarial, criada para corrigir, combater e eliminar as disparidades salariais baseadas em gênero e proporcionar maior segurança para as mulheres
Foto: Shutterstock

O desembargador Lincoln Rodrigues de Faria, do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6), com sede em Belo Horizonte (MG), suspendeu os efeitos das normas que obrigavam empresas com 100 ou mais funcionários a divulgar relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres. A decisão, contudo, não tratou da necessidade de se criar o plano de ação para mitigar as diferenças de remunerações entre os gêneros.

A suspensão do decreto presidencial 11.795/2023 e da portaria 3.714/2023 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em caráter liminar, atendeu a um pedido da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), mas tem efeito para todas as empresas do País. A decisão vale até que o caso seja julgado.

Essas normas regulamentam a Lei de Igualdade Salarial, criada para corrigir, combater e eliminar as disparidades salariais baseadas em gênero e proporcionar maior segurança para as mulheres, fazendo valer o que já é previsto na Constituição e na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) com relação à igualdade de remuneração entre mulheres e homens que desempenham funções equivalentes.

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Contudo, o decreto e a portaria, levaram muitas empresas do País a questionarem na Justiça Federal as exigências de divulgar de maneira ampla o relatório com informações sobre a transparência salarial e os critérios utilizados para remunerar seus funcionários.

Para o advogado Eduardo Pragmácio Filho, doutor em Direito do Trabalho pela PUC/SP. "a decisão do TRF-6 vai no sentido do que já havia alertado o Cade (veja abaixo), de que a divulgação do relatório do jeito em que está pode ferir a reputação das empresas e divulgar informações sensíveis e estratégicas". 

Segundo ele, a "as empresas ainda lutam para, nesse momento, barrar o gatilho automático para a criação do plano de ação de mitigação das desigualdades, o que não foi objeto da análise da decisão do TRF mineiro. Acredito que há espaço para aperfeiçoamento da regulamentação da lei, de forma a cumprir o objetivo da norma, sem ferir direitos constitucionais e garantias das empresas", avalia.

Sobre a obrigação de se criar um plano de ação, as empresas ainda devem buscar judicialmente decisões individuais para sustar as exigências das normas regulamentadoras.

"Prejuízo social e econômico"

Na decisão liminar, o desembargador alegou que a exigência poderia representar um "prejuízo social e econômico" que seria irreversível. "Por outro lado, sem se descurar da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, a medida concedida na tutela é reversível, uma vez que a publicação das informações poderá ser realizada a qualquer tempo, produzindo os mesmos efeitos".

Além disso, o magistrado entendeu que o direito reconhecido para a Fiemg "ultrapassa a esfera individual dos representados" e, por isso, "a decisão tem eficácia erga omnes, ou seja, para todas as empresas nessas condições.

As companhias alegam que as determinações do MTE podem implicar, entre outros pontos, em violações à Lei Geral de proteção de Dados (LGPD) ao expor dados pessoais. Há, por exemplo, funções executadas por um único empregado. A publicidade de informações salariais poderia, então, ser prejudicial ao colaborador. No caso de infração da LGPD, a multa pode chegar a R$ 50 milhões.

Em caso de descumprimento, a legislação prevê multa administrativa cujo valor corresponderá a até 3% da folha de salários do empregador, até o limite de 100 salários mínimos, atualmente correspondente a R$ 141.200.

Pelo menos duas companhias que judicializaram a questão já haviam conseguido liminares favoráveis, as drogarias São Paulo e Pacheco, o que, com a decisão do TRF6, foi estendido a todo o País.

Análise do Cade

No fim de fevereiro, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão subordinado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), baixou uma nota técnica em que analisa o decreto e a portaria que regulamentaram a legislação e instituiu as medidas que agora estão sendo judicializadas pelos empresários. 

A pasta concluiu que "a obrigação de publicação de relatórios com dados sobre remuneração dos trabalhadores pelas empresas pode configurar a publicação de dados concorrencialmente sensíveis e, dessa forma, contribuir para a adoção de condutas concertadas anticompetitivas, como a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes, ou mesmo, formação de cartéis".

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Foi recomendado na nota a suspensão ou o cancelamento de instruções contidas em trechos da regulamentação. O Conselho sugeriu ainda que fosse reavaliada a necessidade de publicação dos relatórios das empresas nos próprios sites com informações que possam sinalizar aos demais agentes do mercado a política de remuneração da empresa para seus empregados individualmente ou para determinado cargo ou função. 

Por fim, foi proposto pelo Cade ao Ministério do Trabalho e Emprego que, caso haja publicação de dados ou relatórios, que sejam também tomadas medidas de cautela para evitar a divulgação de informações que possam facilitar condutas colusivas entre agentes de um determinado mercado. Isso, segundo a análise, poderia gerar efeitos nocivos ao ambiente concorrencial e no mercado de trabalho.