E as travestis eleitas em 2024, hein?

Apesar da transfobia estrutural, estamos formando lideranças capazes de engajar mais aliados na luta por dias melhores

Escrito por
Dediane Souza ceara@svm.com.br
Legenda: Podemos estar diante de um crescente movimento de educação política popular, sobretudo entre pessoas trans, a partir do seu ingresso no sistema de representação direta
Foto: Alexander Grey/Pexels

De acordo com o  Tribunal Superior Eleitoral (TSE), dentre as 927 candidaturas de pessoas travestis ou transexuais, 27 foram eleitas para cargos legislativos nas últimas eleições municipais e tomaram posse de seus mandatos em janeiro de 2025. A partir de agora, pelo menos nove Estados da federação contarão com parlamentares trans e travestis em seus municípios, um marco inédito para a democracia brasileira.

Nesta mesma coluna, já refletimos outrora como a progressiva - embora lenta - ocupação desses espaços de decisão representa um passo fundamental para a visibilidade e efetiva participação política de grupos sociais alijados do poder. Ocorre que, na medida em que são celebrados, feitos inéditos também avançam por terrenos pouco conhecidos, inauguram imagens, linguagens e debates igualmente novos para esses grupos.

É assim que os mandatos de pessoas trans encararão - a partir de agora - o desafio de acessar o poder de fala por uma estrada que não foi feita para cabê-las. 

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Há outro aspecto interessante para seguirmos observando: podemos estar diante de um crescente movimento de educação política popular, sobretudo entre pessoas trans, a partir do seu ingresso no sistema de representação direta.

É o que pude observar, por exemplo, nas discussões intensas que foram gerados a respeito do fim da escala de trabalho 6x1 e das formas de tributação fiscal dos pequenos empreendedores, provocados a partir do mandato de Erika Hilton,  mulher trans eleita Melhor Deputada Federal em 2024, que tem obtido considerável êxito no uso das redes sociais para POPularizar o debate político entre aqueles que, rejeitados pelo sistema, possam ter se afastado dele. 

Esse novo cenário tem sido discutido pela própria comunidade e tive a oportunidade de participar de dois eventos recentes com esse recorte. O primeiro foi o encontro Eleitrans, realizado em Brasília pela Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (ABONG), em parceria com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) e Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), no dia 25 de janeiro de 2025. Já a II Marsha Trans, também realizada em Brasília, ocorreu no dia seguinte, ocupando a Esplanada dos Ministérios.

O tom comum desses eventos foi, em parte, de celebração pelos mandatos de travestis e transexuais eleitos para exercício 2025-2028, compreendendo que eles podem amplificar a denúncia contra a violência transfóbica/ LGBTI+fóbica e pautar proposições que impactem de forma positiva na qualidade de vida dessas populações.

Por outro lado, é de conhecimento geral que a maior presença de corpos dissidentes no legislativo demanda também esforços hercúleos de resistência à violência política de gênero.

Seja quais forem as barreiras encontradas pelas pessoas trans recém-empossadas, é um afago no peito saber que, apesar da transfobia estrutural, estamos nos organizando de alguma forma para ocupar todos os lugares e formando lideranças capazes de engajar mais aliados na luta por dias melhores.

Como afirmou a ANTRA, precisamos garantir que nossas vozes sejam efetivamente ouvidas, que nossas demandas sejam atendidas e que a cidadania plena seja uma realidade para todas as pessoas trans e travestis no Brasil, mas, por si, uma cadeira legislativa democraticamente ocupada por uma travesti já é um farol de esperança.

Infelizmente, os avanços quantitativos da nossa participação na política partidária não implicaram necessariamente no reconhecimento da nossa existência como sujeitos de direito no Brasil.

Parafraseando a vereadora de Natal Thabatta Pimenta, será preciso "hackearmos o CIStema" e reinventar - à nossa maneira - as formas de fazer política. Se os nossos algozes ainda ocupam a comissão de Direitos Humanos no Senado Federal, nós seguiremos ocupando os plenários e as ruas para continuarmos vivas, fazendo vidas.

Estejamos atentas, fortes e na luta por dias travestis mais representativos!

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.

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