'Abraços e risos secretos': aqui confesso minhas primeiras travessuras de vida

Recordações de tempos atrás sobre umas e outras aventuras me caem muito bem para este 22 de maio, considerado "Dia do Abraço"

Legenda: Devaneio vai e vem e, há alguns dias, pego-me contando memórias e refazendo percursos que, desde criança, falam-me sobre o chegar ou estar perto
Foto: Shutterstock

Era março de 2020, quando eu escrevi nesta coluna um texto de alento: “Guardem meus abraços para quando a quarentena acabar”. Também redigi outras narrativas de esperança, em espaços públicos feito este ou em meus cadernos privados de vida. Porque sempre gostei de "esperançar". É lição. Viva! 

Naquele ano, marcado para sempre pelos turbilhões de agonias que vivíamos, distantes uns dos outros e do que fomos ou queríamos ser na vida, ainda assim eu queria falar de amor, de saudade, de medo. De verdades. E contei abraços, enquanto refletia sobre o ato de afagar e deixar-me afagar ante o peito. 

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Eu, que guardo minhas multiplicidades e selvagerias - aquelas que são o avesso das nossas domesticações de ser e estar no mundo - num percurso que vai dos meus cadernos ao meu coração, percebi o quanto, algumas vezes, eu perdi tempo na vida com vergonha de abraçar. De tocar, de chegar perto, de deixar chegarem-se a mim. 

Tímida e quieta desde criança - cenário que a maturidade tem mudado - eu sempre tive vergonha de muitos carinhos em público, de dar ou recebê-los. Ficava receosa com o "chegar muito perto". Mas, agora, admito, acredito em intensas e inenarráveis trocas de energias que se formam e nos fortalecem - ou não - em meio a um abraço. 

Devaneio vai e vem e, há alguns dias, pego-me contando memórias e refazendo percursos que, desde criança, falam-me sobre o chegar ou estar perto. Recordações que me caem muito bem para este 22 de maio, considerado "Dia do Abraço". Penso sobre isso e me volto à infância, paisagem para sempre viva entre meus dias, que acesso feito sessão de terapia, a redescobrir e redefinir quem sou. E porque sou…

E por que sou?
Quem sabe…
Mas lembro bem:

Eu era criança ainda, entre 8 e 9 anos, talvez. Quieta, miúda, cabelo ora bagunçado ora domesticado com rabo de cavalo, e vivia sempre perto de um primo-irmão que foi bebê durante 9 anos - e para sempre em mim. Eu falava pouco naquela época, mas tinha muitos pensamentos. E (já) eram rápidos. 

Hoje, a imagem que tenho de Rafael é de um bebê gigante, porque a minha memória guardada é aquela dos meus poucos anos de idade, e as paisagens eram vistas de outro ângulo. Enorme, quieto, silencioso e absolutamente lindo, sempre de cabelo esvoaçante, Rafael ficava sozinho comigo certas vezes, enquanto os adultos precisavam resolver alguma coisa no andar de cima ou de baixo da casa. 

Dia do Abraço
Legenda: Rafael, há muitos anos não está entre nós, mas aqueles risos e abraços secretos - feito travessuras de crianças - continuam na memória de minha pele e de meu coração

E os principais cenários daquela época eram dois: ou Rafael estava sentado no carrinho especial para bebês grandes ou recostado no travesseiro estilo encosto, que na época eu chamava de "travesseiro-esquininha". A paisagem-sensação ao seu lado é o que hoje talvez a maior parte de nós, adultos, almejamos: um horizonte de tranquilidade. Um respiro fundo no ar puro da vida. 

Pois bem: logo cedo, naqueles tempos, eu aprendi que abraçar Rafael e fazer cócegas em sua barriga e pescoço precisava ser apenas nesse momentos de solitude entre nós dois. Porque, eu com 8 ou 9 anos e Rafael com 4 ou 5, era uma diferença de idade que nos fazia de tamanhos não tão diferentes. Depois que isso aprendi, passei a traçar na cabeça planos para algumas das únicas travessuras que talvez Rafael tenha "feito" na vida. 

E assim fizemos por muitas vezes. Prestava muita atenção nos movimentos adultos e esperava que todos descessem ou subissem a escada da casa para desafivelar, com todo cuidado e amor, o cinto do carrinho de bebê gigante para fazer cócegas bem de leve em Rafael, e depois abraçá-lo, com os ares do irmão mais novo que eu teimava em cuidar e brincar, entre seus poucos movimentos. 

Outras vezes, eu torcia para que os adultos o deixassem comigo na “esquininha”, porque era mais fácil sentar ao seu lado e construir nossos risos e abraços de segundos apressados. Que hoje são eternos dentro de mim. 

Rafael, há muitos anos não está entre nós, mas aqueles risos e abraços secretos - feito travessuras de crianças - continuam na memória de minha pele e de meu coração. Fazem morada na história que eu sou e, em muitos momentos na vida, me afagam o peito quando paro, penso e tantas vezes sinto que, talvez por alguns instantes, Rafael chega ao meu lado, em forma de energia, recordação ou em forma de uma verdadeira lição de vida. Presente! Rafael está aqui.