Uma pequena estrada de asfalto esburacada na beira do mar desemboca bem perto do Condado Ecoturismo, uma casa familiar localizada a menos de duas horas de Fortaleza, dentro da Reserva Extrativista (Resex) da Prainha do Canto Verde, na cidade de Beberibe, no Ceará. É lá a morada aberta de Seu Roberto e Rosiane, que recebem visitantes de todo canto do mundo para mostrar, com os olhos pregados no futuro, como é viver a vida sustentável que a emergência climática já exige ao mundo hoje.
É Seu Roberto Lagos quem dá as boas-vindas, do alto da pequena escada de pedras cariri que dá acesso àquela casa rodeada por flores que, mais tarde, vão colorir o almoço. “Acho que as cores fazem parte da culinária. A comida que você come aqui só se come uma vez”, anuncia, com ar de quem não reproduz receitas e o orgulho de quem usa de tempero o que planta no quintal.
Dali sai de arroz azul a salada de flores com sabores que eu mesma não seria capaz de descrever aqui.
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Seu Roberto então nos conduz ao quintal onde planta, com a esposa Rosiane, 80% de tudo o que é consumido no Condado. “Foi um pesquisador que veio aqui e deu esse nome. Disse que era como estar num condado, que via duendes”, ri Seu Roberto, enquanto passeia pelos minhocários que aproveitam todos os resíduos para plantar urucum, maracujá, mamão, macaxeira e toda sorte de plantas frutíferas, leguminosas e ervas com as quais ele faz pães, farinhas e refeições como arte na cozinha.
O Condado é como um paraíso sustentável que nasceu há sete anos num pequeno terreno perto do mar e entre dunas e areia frouxa, dentro de uma reserva ambiental instituída em 2009, mas que desde sempre luta para existir. Na Prainha do Canto Verde, uma comunidade tradicional de pescadores batalha há décadas pela preservação de seu território e contra a grilagem e a especulação imobiliária que ameaça duas terras.
Foi de lá, aliás, que pescadores lançaram-se ao mar de jangada nos anos 1990 e navegaram até o Rio de Janeiro em protesto, para cobrar direitos tal qual fizeram décadas antes os jangadeiros do Mucuripe. Hoje, a comunidade vive basicamente da pesca artesanal, dos benefícios sociais do Governo e das roças.
Construir um lugar como o Condado é quase um milagre, é fazer vida de uma areia frouxa. “É como colocar uma roupa em cima da terra”, explica seu Roberto, que vai enumerando uma série de tecnologias sociais que usa para plantar: da preparação do solo para tornar o terreno fértil ao minhocário e ao biodigestor com o qual produz gás a partir das fezes dos porcos.
Tudo ali é cuidado pelo casal, que se apaixonou durante uma visita dele à região e decidiu juntar a vida e esta visão de futuro que o mundo já nos cobra no presente.
Seu Roberto nasceu no Rio de Janeiro e foi ganhando o mundo, trabalhando por vários Estados como cozinheiro e com territórios, até parar no Ceará. Sempre foi ligado à terra, ao verde e aos quintais. “Vi que minha vida era social, era da natureza”, conta.
Eis que, enquanto passava uma temporada no litoral leste cearense para um evento culinário, conheceu aquela morena nativa da comunidade tradicional de pescadores da Prainha do Canto Verde. Rosiane era guerreira, envolvida com as lutas da comunidade, e de coração aberto para fazer vida do nada, até tirar verde de areia frouxa.
“Esse futuro que vivemos já era previsível. Quem está cuidando do seu pequeno espaço para produzir alimento terá vantagem”, diz seu Roberto. Rosiane conta que, graças a isso, eles mal sentiram os impactos da pandemia e da crise econômica que tem elevado o preço dos alimentos nos supermercados.
No Brasil, já são mais de 33 milhões de pessoas passando fome. “Se muita gente decidisse viver como nós, aqui na comunidade mesmo não teria esse problema de fome”, acredita ela.
No Condado, não há alimento com agrotóxico. Tudo é orgânico, é comida de verdade. Há laboratório de culinária, um espaço para desidratar ervas, fogareiro para queimar castanhas e um quintal enorme com plantações.
A experiência foi mostrada neste ano com uma vivência do Povos do Mar, um evento realizado pelo Sesc que reúne todos os anos mais de 200 comunidades litorâneas de 25 municípios cearenses. Mas a casa está aberta a visitantes que queiram se hospedar e experimentar a vida sustentável com Rosiane e Seu Roberto o ano todo. Basta contatá-los aqui.
“A gente não quer só viver isso, queremos passar para os outros que é possível viver assim. Sempre que passam pessoas aqui, se sair uma querendo mudar, já ganhamos a visita. Queremos mudar o mundo”, finaliza Roberto.