Gilmar de Carvalho, o mestre que não morre

Pesquisador da cultura brasileira, Gilmar faria 75 anos hoje. O professor reverbera no pensamento que deixou com artistas e alunos, nos museus, na universidade e nos espaços da cidade

Legenda: Guardião da cultura brasileira, o professor Gilmar de Carvalho faria hoje 75 anos se a covid-19 e a demora do País a dar respostas efetivas à pandemia não tivessem lhe interrompido a vida.
Foto: Natinho Rodrigues

Gilmar de Carvalho está em todos os lugares: dos museus tradicionais aos orgânicos da cultura popular, da universidade ao passeio público, no pensamento que alinha o fazer artístico cearense. O professor, guardião da cultura brasileira, faria hoje 75 anos se a covid-19 e a demora do País a dar respostas efetivas à pandemia não tivessem lhe interrompido a vida.

Acontece que Gilmar é daqueles mestres que não morrem. Dizia que, quando era jovem, era da categoria dos insuportáveis. Ele gostava do escracho, da esculhambação. Não à toa um de seus apelidos era “presidente da academia brasileira da maledicência”. Dizia que reclamava tanto das coisas que poderia parecer amargo. Não era. Costumava sentir-se um tanto “inadequado” pela falta de paciência para bajular para ganhar mais projeção. Mas nunca precisou disso para ser grande. Gilmar passeou pelo jornalismo, pela publicidade, pelo romance, pelo teatro, pela curadoria artística e pelas teses acadêmicas.

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Incentivou os saberes da terra, encantou-se com a tradição que se movimenta e reúne Padre Cícero e Madonna na mesma romaria. Desbravou as culturas populares brasileiras e, com elas, histórias de gerações que faziam arte do barro e dos rabequeiros escondidos pelos sertões. Admirou-se com o tempo bonito pra chover. Levou tudo isso pelos lugares que passou: da academia às salas de aula, livros e museus.

Gilmar publicou mais de 50 livros. Observava os mistérios das manifestações culturais com tempo, paciência e silêncio. Desconfiava de quem sacava tudo com pressa e desaconselhava o olhar de turista sobre qualquer manifestação. Por isso, visitava e revisitava artistas e lugares pelo interior do Ceará, rodando as estradas no seu próprio carro. Sentia a cultura e a arte no chão da nossa terra.

Gilmar de Carvalho  posa em frente a obras expostas em museu. Na parede atrás dele, a palavra
Legenda: Foi uma missão de Gilmar de Carvalho recolher e preservar a tradição, mas observar suas aberturas ao futuro.
Foto: Waleska Santiago

Gilmar de Carvalho nasceu em 1949 em Sobral, mas cresceu em Fortaleza. Formou-se em Direito e Comunicação Social. Desceu para o Sudeste para cursar mestrado e doutorado, mas sempre optou por voltar ao Ceará. Dizia que, por onde fosse, seria uma pessoa inadequada e incômoda. Pode até ser. Mas, por onde passou, Gilmar foi também grande.

Interessado na tradição que tangencia, construiu uma vasta obra que o eleva à altura de um Mário de Andrade ou Câmara Cascudo. Foi uma missão sua recolher e preservar a tradição, mas observar suas aberturas ao futuro. Gilmar mapeava, documentava e destrinchava a produção popular, naturalmente atrelada ao contemporâneo. Sua obra evoluiu de discursos acadêmicos para a construção de um pensamento próprio.

Gilmar é um grande pesquisador da cultura brasileira. Celebremos hoje os 75 anos do Gilmar que não morre: ele reverbera no pensamento que deixou com artistas e alunos, nos museus, na universidade e nos espaços da cidade.

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora