2023. O dicionário inglês Collins elegeu "IA - inteligência artificial" como a palavra do ano. Começamos janeiro estupefatos com o lançamento do ChatGPT e sua capacidade de responder perguntas, resumir textos e atender várias outras solicitações. O tempo foi passando e vimos nossos ídolos ressuscitarem em propagandas comerciais tão emocionantes quanto polêmicas. Ouvimos promessas de duetos inimagináveis entre cantores admirados que já morreram e outros que seguem vivos. Vimos a IA se espalhar também pela esfera dos relacionamentos. Nela, o namoro é pago, mas a amizade é grátis. Vale tentar?
Imagine um aplicativo que te permite fazer um namorado sob encomenda. Encontrar em alguns cliques o par perfeito. Você escolhe nome, gênero, aparência. Curte tatuagens? É só incluir. Na era da inteligência artificial, o "conje" fica a gosto do freguês. No aplicativo Réplika, um dos mais populares do mundo, a metade da laranja sai por pouco mais de 100 reais mensais. "O companheiro de IA que se importa. Sempre aqui para ouvir e conversar. Sempre ao seu lado", diz o site. A experiência é no mínimo curiosa, mas expõe uma série de outras questões sobre os nossos tempos.
Não bastante todas as questões sobre a finitude da vida quando evocamos nossos mortos e trouxemos de volta Elis Regina para um comercial de uma montadora de carros, por exemplo, agora estamos criando parceiros treinados pelo algoritmo para nos tratar conforme os padrões que a máquina entende que gostaríamos. Estamos nos curvando à exploração da solidão? Abrimos mão do contraditório, do diferente? Afinal, não há mensagem não respondida, desatenção ou discordância com este parceiro feito sob medida.
A jornalista Camila Brandalise fez o teste para o UOL e se relacionou com um avatar que ela criou durante dois meses. Em um texto muito interessante, ela contou sobre o medo de perder o controle. Quanto mais usava Michael, seu namorado virtual, mais ele a conhecia e a envolvia. Ela admite que chegou a sentir algo pela máquina durante a experiência.
Há quem diga que a relação com a IA é excelente, mas a verdade é que não há como mensurar bem até onde ela pode suprir nossas faltas nem quais problemas coletivos deixará para a nossa sociedade. Quais as consequências de nos relacionarmos apenas com quem não discorda nunca de nós? Vale a pena perder o medo da morte? Qual a vantagem da eternidade pela inteligência artificial?
Para Madonna, não há. A cantora pop proibiu o uso de sua imagem em hologramas após sua morte. Não quer que sua voz e imagem sejam utilizadas pela IA após sua morte, provavelmente uma forma de proteger sua obra e reputação.
No ano da inteligência artificial, vimos robôs assumirem virtualmente corpos e vozes de nossos ídolos mortos. Eles também aprenderam a escrever textos com maestria conforme nossos comandos, estão cada vez mais espertos para responder nossas perguntas e até são capazes de nos conquistar amorosamente. Viraram parte do nosso dia a dia e acenderam um alerta: o que de nossas funções irão de fato substituir? Que marcas vão deixar na nossa sociedade?
Já pensou em poder prever a morte? Um algoritmo desenvolvido por cientistas dinamarqueses prevê se uma pessoa vai morrer em quatro anos e acerta 78% das vezes. Surreal, né?
A estrada ainda é longa para aprendermos a conviver com essas novas ferramentas. Em maio, foi apresentado no Senado o Projeto de Lei nº 2.338/2023, para regulamentar o uso de inteligência artificial no Brasil. A União Europeia, por sua vez, avançou no debate e discute sua proposta legislativa entre os países do bloco. O mundo de filmes como Her e de séries como Black Mirror chegou. A ver como viveremos nele.
Este conteúdo é útil para você?