Você escuta ou só ouve?

Escrito por
Alessandra Silva Xavier producaodiario@svm.com.br
Legenda: Nos tornaremos capazes de entender, de nos escutar, de nos perceber, de receber as palavras e histórias dos outros?
Foto: Pexels

O contexto contemporâneo demanda continuamente superexposição, exibição, opiniões, expressões, manifestações. Exige que o sujeito esteja continuamente expondo o íntimo e ultrapassando fronteiras, seja do ridículo, seja do absurdo, no intuito de capitalizar likes, transformando a si em mercadoria a ser explorada à exaustão. 

Nessas disputas de narrativas e excesso de conteúdo, torna-se frequente o excesso do dizer e a pouca prática do ouvir. Conversas truncadas, argumentos que não encontram diálogo, mágoas que não são compreendidas e um outro que não se vê e não se escuta. 

Veja também

Na correria feroz, o preço pago do distanciamento de si e dos outros é alto. Na disputa pela atenção com aparelhos e tecnologia, a voz do outro muitas vezes se perde. Acontecem as escutas que não percebem o que de fato se está dizendo, os diálogos que ficam no vazio, a compreensão que estanca no silêncio. 

Ouvir é um ato fisiológico, onde sons chegam aos nossos ouvidos independente de nossa vontade. A escuta envolve intencionalidade, compreensão, interesse, empatia, busca de significado e diálogo. Ouvimos muito. Continuamente diversos barulhos chegam aos nossos ouvidos independente de nossos desejos, gerando uma confusão de estímulos que podem ocasionar cansaço e irritação.

A escuta, por outro lado, necessita de um tempo diferenciado, de um interesse genuíno pela fala e história do outro, permitindo conexões, trocas e imersão no universo existencial. 

A linguagem carrega ambivalências, desejos, enigmas, e não sabemos se o que dizemos chegará a ser interpretado pelo outro com a intencionalidade do que foi dito. A escuta gera acolhimento, permite àqueles que estão em desenvolvimento sentirem-se vistos, aceitos, respeitados. A escuta oferece dignidade e validação de emoções, histórias e demandas. 

A invisibilidade começa pelo silenciamento, pela indisponibilidade da atenção e do interesse. Não ser escutado é uma dor descomunal. Não ter a quem falar é solidão avassaladora.

Inúmeras vezes existem assuntos que não conseguimos escutar e consequentemente, vão escasseando as possibilidades de expressão diante de temas difíceis, o que ocasiona silêncio e distanciamento entre as pessoas. Encontrar quem acolha o que tenho a dizer, por mais que possa ser difícil o tema, é um alento e possibilidade de cura.

Necessitamos expressar e partilhar dores, alegrias, medos, angústias, saberes, práticas, dúvidas, potências, perdas, experiências amorosas, frustrações, lutos, tristezas. É na partilha que os vínculos se fortalecem e a confiança se instaura.

A escuta seletiva demarca relações de poder e posicionamentos sociais. Quem pode falar e quem será escutado? A quem darei minha atenção e minha escuta? Escuto crianças, adolescentes, mulheres? Escuto só aos iguais a mim e aos que repetem o que penso?

Os sons nos fazem sentir, pensar, reposicionar o mundo. Podem ser intrusivos, violentos, apaziguadores. Podem nos afastar e vincular. Existem ruídos internos que nos atordoam, sons que não desejamos ouvir, pensar nem saber. Existem sons que nos constituem e nos marcam. Iniciamos a vida em ritmo, ao primeiro som do coração da mãe. Alguns serão embalados em palavras de amor, outros nem tanto.

Nos tornaremos capazes de entender, de nos escutar, de nos perceber, de receber as palavras e histórias dos outros? Fugimos de nossas palavras e pensamentos? Nos encharcamos de sons aleatórios e barulhos diversos para fugir do que verdadeiramente deveríamos escutar? Nos apossamos da autoria dos nossos sons ou vivemos na anestesia dos sons dos outros? Vivemos em meio ao grito ou permitimos o risco das palavras que enternecem? Conseguimos suportar o silêncio e sua força? Nos entorpecemos de barulhos contínuos para atropelar as palavras que nos fariam pensar? Nos isolamos nos ruídos para nos distanciar de escutar aos outros? Sonegamos a quem precisa da nossa escuta nossa solidariedade, atenção e disponibilidade? O que você precisa voltar ou aprender a escutar?

Assuntos Relacionados