A importância da existência das diferenças para a sustentação da vida
Fortaleza, Ceará, Ferroviário, Hallelluya, Festa de Yemanjá, Fortal, Esquerda e Direita: não existe crescimento sem discordância, sem ter outras possibilidades de compreender o mundo e a realidade
Diz-se que religião, política e futebol não se discute. Quando o objetivo é tentar provar a superioridade de um em relação a outro ou tentar demover alguém dos seus gostos, realmente pode não fazer sentido. Entretanto, enquanto elementos importantes da cultura e da vida em sociedade, e enquanto profissional que trabalha sobre o pensar e o que constitui a subjetividade, não existe tema tabu e o objetivo é problematizar aquilo que nos constitui: a diferença que é fundamental para os processos de identificação e a constatação da ambivalência e paradoxo para a vida psíquica.
Quando, na vida, não existem diferenças, quando só existe uma única forma de pensar, crer ou gostar, estamos diante de quadros autoritários, fascistas, ditaduras. Se não existissem diversos times, não existiria a necessária competição saudável e opções de identificação e representatividade.
Como existiria uma competição de um time só? Como encontrar identificações apenas com um elenco, sem outras opções de cores, histórias, músicas, expressão de territórios?
A diversidade é parte fundamental da vida e amplia o conceito de diferença. Lutarmos para que elas existam e se sustentem é garantir a pluralidade necessária para a vida. Ter direito a torcer pelo seu time, ir ao estádio, ser respeitado na sua manifestação é uma conquista possível somente diante da democracia e dos direitos humanos.
Quando aponto duas possibilidades, apresento uma diferença apenas enquanto metáfora para demarcar a necessidade de que todas as outras existam; assim como a miríade complexa de times, posicionamentos religiosos, políticos e de desejos.
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É fundamental existirem os que creem, os que não creem, os que creem em manifestações diferentes do divino; que passam trocar, partilhar e conversar sobre a experiência com o sagrado e quais os caminhos e desafios diante dos enigmas da vida.
O solo onde a diferença se sustenta fica instável apenas diante da violência e do fanatismo que busca o silenciamento e a ausência do pensar e do diálogo. A intolerância mina a pluralidade e deixa tudo mais triste e vazio.
Algumas escolhas não incluem somente a existência de gostos, são parte de processos identificatórios estruturantes da identidade e da vida social e cultural, revelando o processo histórico de uma comunidade e da própria humanidade. Pois muitas expressões que, hoje, possuem o direito de existir, em alguns momentos históricos eram banidas e perseguidas, como o próprio Cristianismo.
A existência de direita e esquerda surge a partir da revolução francesa e constitui um marco diante do outrora poder soberano da monarquia, que excluía participação popular, garantias de direitos, possibilidade de contestação e divergências.
A partir das conquistas democráticas, o direito de divergir, contestar, ser ouvido, possuir direitos enquanto cidadão, independente de integrar a realeza, oferece a todos o direito a participar do bem comum do Estado.
A diferença é necessária para dar conta da complexidade de olhares e experiências e compete a criação de normas, regras e leis para garantir que a diferença não ofenda, agrida ou desrespeite os marcos legais da vida em sociedade.
Desta forma, o gosto é submisso à lei e ao laço social. A diversidade é necessária pois ajuda a entender a complexidade, os paradoxos, as ambivalências, a encontrar suporte para as frustrações, para o lidar com a alteridade, para a possibilidade de criar e inventar novas formas de ser, para ampliar o vivido e o convivido.
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Sem a divergência, poderia ser tentadora a tirania, a onipotência; sem o contraditório, não teríamos a experiência da falha, da falta, da aprendizagem, do desafio, do desenvolvimento.
A existência de pensamentos diferentes é necessária para a democracia e para a saída da submissão e da passividade. Não existe crescimento sem discordância, sem ter outras possibilidades de compreender o mundo e a realidade.
Se fosse sempre a mesma coisa, tudo igual, todos pensando igual, todos com o mesmo rosto, gosto, formas de pensar, para onde iria o desejo, o mistério, a sedução, a curiosidade? Neste caso, a arte não imita a vida, pois, “se todos fossem iguais a você”, não seria uma maravilha viver.
*Esse texto representa, exclusivamente, a opinião da autora.