Quando alguém que amamos possui uma doença terminal, toda a família precisa de cuidados

Lidar com a morte e o adoecimento nos confronta com a finitude e o desejo de mantermos para sempre a presença segura do abraço familiar

Escrito por
Alessandra Silva Xavier producaodiario@svm.com.br
Legenda: Deparar-se com a perda de quem se ama, pode aflorar medo, dor, angústia, culpas, regressão e sensação de desamparo.
Foto: Shutterstock

O confronto com a finitude, embora conhecido e previsto enquanto condição da experiência humana, é uma das vivências mais difíceis. A perda da nossa capacidade de desfrutar da vida em toda a sua complexidade de desejos, e de estarmos junto com quem amamos nos oferece um dos desafios mais difíceis.

Diante dessa situação, inúmeros sentimentos, pensamentos e emoções afloram e revelam nossa história, o percurso de nossos afetos, medos, ansiedades, forças e esperanças.

A finitude, um dos grandes tabus da humanidade, nos aponta uma perda irreversível, para a qual só encontramos alternativa, na esperança de termos vivido uma boa vida que nos deixe em memória nos afetos que construímos. Diante da dor, e para lidarmos com o luto, produzimos cultura, religião, arte, trabalho, na busca por oferecer sentido ao insondável e inevitável. 

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Diante do fim, quando este nos dá a oportunidade de saber e acompanhar, o sofrimento de uma pessoa da família afeta a todos os membros; e permite, se houver saúde, que essa perda possa ajudar a quem fica, a ter mais sabedoria para lidar com o tempo que tiver.

Entretanto, como tudo que envolve família e os intrincamentos históricos e afetivos, o momento de adoecimento de um ser querido, aflora inúmeros afetos e pode descortinar a necessidade de reparar dores e mágoas guardadas, que precisarão ser elaboradas para que a família mantenha a capacidade de nutrir-se da força, da confiança e do amor.

Debruçar-se sobre as pendências emocionais, repensar sobre a própria vida, as escolhas, os sentidos da existência, os projetos pessoais e coletivos, os encontros, as palavras, os perdões, as reparações, as experiências construídas juntos, é poder enfrentar a negação e a dificuldade com a finitude.

Em um contexto social e cultural que prima pela eficiência, pelo sucesso, pelo controle e poder, a morte é silenciada, evitada, negada e torna-se muito mais dolorosa, porque pode aparentar fracasso ou falha tanto da família quanto dos profissionais de saúde, que no “furor curandis” podem infligir à pessoa, dores e procedimentos desnecessários.

Tudo tem seu tempo, inclusive o corpo e a vida. E se entendêssemos essa sabedoria ao longo de todo nosso percurso e cotidianamente, cada detalhe do dia e da vida seria vivido com mais presença e com escolhas que priorizassem o que é realmente valioso.

Doenças sem curas, progressivas, como: Esclerose Lateral Amiotrófica, câncer avançado, insuficiência renal ou hepática irreversível, doenças neurológicas degenerativas, doença pulmonar grave, insuficiência cardíaca grave e outras, exigem cuidados paliativos que buscam assegurar maior conforto, ausência de dor, diretrizes humanizadas na condução dos cuidados ao paciente e à família.

Infelizmente, a doença de uma pessoa querida pode acarretar a expressão de diversos conflitos existentes na família, dores acumuladas e mágoas silenciadas, além da negação da finitude.

Deparar-se com a perda de quem se ama, pode aflorar medo, dor, angústia, culpas, regressão e sensação de desamparo. Nunca estamos preparados para perder um familiar a quem amamos.

O lidar com a morte e o adoecimento nos confronta com a finitude, com nossa própria história e a história dos nossos amores e o desejo de mantermos para sempre a presença segura do abraço familiar.

É necessário compreender que cada familiar irá elaborar a dor de forma única, dependendo das peculiaridades do desenvolvimento, do vínculo com a pessoa, do momento da vida em que se encontre e da rede de apoio e recursos psíquicos e sociais que possua.

As perdas, nos assustam. Entender que aquele vazio não será preenchido, que o luto exigirá um tempo lento para guardar e preservar dentro, o que não existe mais fora, que o amor possui sabedorias misteriosas para preservar o bonito do vivido no coração e que a memória não esquece da força de um vínculo é o que pode aquecer o coração premido pela perda.

É momento de gratidão, solidariedade e união. Uma família que consegue se cuidar, dialogar, e acolher uns aos outros, diante da dor, possui muitos recursos emocionais.

Infelizmente, diante da dor, da perda e do cansaço podem surgir ataques, culpas, cobranças, agressões e aflorar distanciamentos que tornam ainda mais difícil a lida com o processo. 

Estar junto, partilhar as memórias do bom vivido, oferecer palavras, disponibilidade para cuidar das tarefas necessárias ao cuidado, revezar os cuidados, elogiar os que estão à frente do cuidado, não julgar, não culpar, agradecer à equipe profissional responsável pelos cuidados, garantir que a pessoa possa ser respeitada em seus desejos em relação às Diretrizes Antecipadas de Vida, Vontades e Cuidados, propiciar conforto, agradecer pela experiência de vida, pelo amor e pelo recebido que recebeu do familiar doente é permitir que quando a morte chegar, a pessoa possa levar consigo as últimas memórias de amor, serenidade e cuidado e que gente possa se sentir muito vivo e leve, porque não ficaram dívidas emocionais; e que entendemos que mesmo diante de uma perda, pode-se ficar com muito para abastecer a esperança e o seguir.

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