Macabéa é uma personagem do livro a Hora da Estrela, escrita por Clarice Lispector, no ano de sua morte, durante a luta contra um câncer.
Macabéa é uma mulher que anseia por existência. Com imensa sutileza e profundidade, Clarice, que nunca se furtou da relação entre escrita, intensidade existencial e questões sociais, aborda inúmeros aspectos dessa tensão entre sujeito e sociedade em um país em meio à ditadura.
Não por acaso, as mulheres simbolizam, infelizmente, enquanto metáfora e muitas vezes no cru da própria carne, os processos de opressão. Falar sobre as ameaças, as manipulações discursivas que sofre e a libertação de uma mulher é pensar o próprio desdobramento da pertença, existência, cidadania, dignidade e igualdade. Ao longo dos anos, o corpo oprimido em sua majoritária expressão é o feminino, o corpo violentado, o corpo censurado, a alma a ser aprisionada, os desejos a serem interditados. O que deseja e pensa uma mulher pode romper estruturas.
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Macabéa é uma nordestina, trabalha em um subemprego, submete-se a uma relação afetiva na qual é invisibilizada e manipulada; não possui rede de apoio nem proteção. No processo de descobrir-se mulher e sua sexualidade, depara-se com um manequim em uma loja, onde projeta sonhos naquele objeto, que tal qual si mesma, ainda não existe.
Na identificação com o inerte, o sonho mapeado pelo consumo já mostra as marcas da pulsão de morte. E quantos corpos femininos não são mortos pela ideia de posse ou consumo? E quantas violências o mercado não cobra ao corpo de uma mulher? Quantos feminicídios, depressões não são os juros do patriarcado?
Macabéa é uma invisível, sem pai nem mãe, que deseja saber o sentido de ser. Macabéa tem muitas perguntas, muitos medos e coragens. Macabéa sofre silenciamentos, solidões e anseia amores. Experimenta vergonhas, culpas, sentimentos que povoam a subjetividade feminina, muitas vezes antes até do nascimento. E quando nasce uma mulher?
Madonna carrega um nome repleto de significados que apontam para um lugar do feminino que se relacionaria à pureza e à castidade. Filha de uma mãe que morreu de câncer, é uma artista que conduz o corpo como quem levanta uma bandeira de autoridade em autoaceitação e que aponta, nos enigmas da linguagem do nome e dos embates com a vida, a ambivalência e multiplicidade do feminino.
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Embora possuidora de um corpo também marcado por violência (estupro), construiu uma carreira onde sua voz fala por muitos na busca por defesa de direitos. Diferente do silenciamento e submissão que se espera muitas vezes de uma mulher, ela fala. E sua fala tem alcance mundial político e social para milhões.
Ela expõe que o desejo e a sexualidade não se submetem a uma única possibilidade, que os corpos LGBTQIAPN+ têm voz e poder. Exige o direito de amar e existir com dignidade. A dignidade de ser respeitada na diversidade. E assustadoramente expõe o poder que uma mulher pode ter. Uma mulher com poder e sexualidade ao longo de 40 anos exercendo seu ofício de artista. Que enquanto artista, provoca, ousa, provoca rupturas, faz pensar e sentir.
Durante muito tempo, o corpo de uma artista foi relegado ao depósito de todo o sórdido e hipócrita de uma sociedade patriarcal. O corpo de uma mulher que não se submete, que não morre atropelado feito Macabéa, levando consigo as Ilusões e desejos não vividos, é um corpo que incomoda, porque demonstra que a vida não é linear, que a sexualidade não é administrável nem gerenciável feito planilhas contábeis.
O corpo de uma mulher que se impõe revela que submissão é controle e todo controle serve a um poder com ganas de lucro, disfarçadas muitas vezes de cuidado e salvação. Existem dias em que nos habita Macabéa e outros que desejamos que Madonna nos salve da morte de não ser.